sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Na estrada - MAURITÂNIA, quinta-feira, 29 de Novembro de 2007

Estrada nacional entre Nouakchott e Nioro


No que diz respeito a fronteiras e comparados com os mauritanos, os marroquinos são uns meninos (salvo seja). Isto para dizer que atravessar a fronteira do Sahara Ocidental com a Mauritânia não nos foi tão fácil como atravessar a de Espanha com Marrocos.
Na área marroquina (e já explico porque falo expressamente de uma área e não de um lado por exemplo) foi um pouco demorado, cerca de duas horas, mas foi tranquilo. Passamos pela revista geral de dois ”gendarmes” e um cão à nossa Aurora, por algumas questões obvias sobre a nossa passagem na região e o nosso destino, duas de letra com um agente num gabinete improvisado debaixo de um arbusto, a quem entregamos os passaportes para carimbar a saída oficial do Reino de Marrocos, e siga que se faz tarde.
Depois do último controlo marroquino entramos na terra de ninguém, e explico agora a questão das áreas que referi anteriormente: Estamos (nós, “meninos” ocidentais) habituados a ver uma fronteira como uma linha meia mista, onde os agentes da autoridade dos dois países geminados, quase à vista uns dos outros, tratam de assegurar a entrada e saída de pessoas e bens do seu país de acordo com as suas conveniências e obrigações legais. Pois bem, os marroquinos e os mauritanos andaram à estalada (ou ao tiro para ser mais preciso) até cerca de 1975 pela disputa de território no Sahara Ocidental, altura em que, e em conjunto com os espanhóis, chegaram a acordo sobre a divisão das terras. Marrocos ficou com a zona noroeste rica em minério e os mauritanos ficaram com uma faixa de areia que restava mais a sudeste. Hoje em dia as linhas de fronteira dos dois países parecem separadas por cerca de 3 kms de “terra de ninguém”, onde não há estrada e por onde se circula atrás das marcas de pneus deixadas na areia e na superfície das lages de rocha. Como aquilo não é de ninguém (naquele dia foi timidamente nosso!), ninguém investe ali um tostão que seja e por causa disso a travessia torna-se penosa por causa da grave irregularidade do piso, arriscada a desvios e um grande susto para quem ingenuamente supõe que será assim até ao Mali ou ao Senegal, ou mesmo que aquele é o padrão mauritano para uma das três rotas comercias que atravessam o deserto do Sahara para o centro de África. (Por curiosidade as outras duas rotas atravessam a Argélia, uma para o Mali e outra para o Níger e são muito pouco utilizadas por quem pretende atravessar o deserto por terra.)
Chegados à zona mauritana, passamos pelos controles habituais e apanhamos alguns sustos, principalmente porque levávamos (e ainda levamos) connosco algumas garrafas etílicas refundidas na caixa de mercadoria por cima da Aurorinha, o que atravessando uma fronteira para um país onde o álcool é proibido não é lá muito sensato. Isto despertou obviamente a atenção dos “douanes”, que depois de descobrirem que não tínhamos sido totalmente honestos quando lhes dissemos que apenas tínhamos connosco aquela garrafa de Vodka por abrir que levávamos na mala e quase à vista, desconfiados, nos revistaram o carro de alto abaixo e a cada minuto sacavam uma nova garrafa. Ora whisky, ora vodka, ora as borradinhas de bagaço e mel que nos ofereceram em Portugal (obrigado Eduardo, valeram bem a pena e ainda sobram umas 6). O ambiente azedou um pouco e os sorrisos desapareceram. Restava-nos coçar a cabeça e “rezar” para que não nos abrissem os sacos onde guardamos as câmaras nem fizessem questão de ver de que cor eram as nossas cuecas. A revista foi muito intensa, mas pouco minuciosa. Nenhum saco foi aberto e acreditaram sempre na nossa palavra no que dizia respeito ao conteúdo dos sacos. – “c’est mon bag avec mon personeles seulement.”

O Armando ainda tentou “bater o coro” de que o “Velhinho” (pai) lhe tinha enfiado umas garrafas à socapa na mala, mas o coro não colou e tivemos que desembolsar dois relógios que tínhamos levado para trocar e uma bola de andebol “três jolie” que era a única decente que levávamos para nós próprios jogarmos (essa custou perder, mas acho que nunca mais ninguém se lembrou dela depois disso).

Incoerentemente, o guarda que mais nos achincalhou e gozou por termos as garrafas connosco acabou o discurso dizendo que era melhor escondermos bem as mesmas porque elas eram proibidas no país e poderíamos ter problemas mais à frente. Duas na mala bastavam - dizia o mesmo - apenas por sermos estrangeiros e o álcool ser alegadamente para consumo (apesar de nenhum de nós se lembrar muito bem da ultima vodka que bebeu na vida). Assim fizemos. Refundimos o que tínhamos e o que não tínhamos e rumamos ao controlo seguinte, já sorridente mas com os joelhos ainda tremelicantes. Mais duas de letra no controlo seguinte, revista muito superficial, carimbo no passaporte, seguro para 5 dias e “vasi vasi á grand vitesse”.

Até Nouâdhibou que fica a cerca de 100 km da fronteira passamos por mais 2 controlos de “douanes”, mas nenhuma aldeia ou vila, 2e à chegada tínhamos tudo menos vontade de permanecer ali. Os olhares do exterior eram indiscretos e ansiavam por uma paragem nossa. Depois de todo o stress da fronteira só queríamos parar e relaxar, mas ali não! Paramos apenas o tempo necessário para dar de beber à Aurora um diesel Africano de qualidade duvidosa e comprar pão. Seguimos caminho até à capital mauritana, Nouakchott com paragem obrigatória na melhor estação de serviço por que passamos na Mauritânia até à data. Aí jantamos, dormimos e pela manhã, depois das rodagens e sessões fotográficas matutinas entre dunas, cabras e esqueletos, demos boleia ao Abd, um empregado da “stacion du service” TOTAL, que ficava em Nouakchott. Gajo porreiro o Abd. - Comprou-nos água para a viagem, fez dezenas de telefonemas onde só se entendia a palavra “portuguê” e pôs-me a falar com a namorada dele ao telemóvel mas o meu francês “c’est pas bom” e não consegui aguentar a conversa muito tempo. Ele parecia entusiasmado apesar de cauteloso com a nossa presença e no meio de toda a nossa insanidade lusitana acho que conseguiu perceber que éramos gente de bem e que estávamos tão apreensivos com a presença dele como ele estava com a nossa.




Já em Nouakchott o Abd indicou-nos o caminho até à Embaixada do Mali na Mauritânia, onde a boleia dele acabou e onde depois de conversarmos com o guarda da Embaixada percebemos que estávamos no Dia da Independência da Mauritânia e que tudo estava fechado por causa das celebrações. Má sorte a nossa. - “Só amanhã!” O Armando desolado, mas raposa velha nestas situações, abre caminho à conversa e um pouco depois, entre mulheres e futebol, já tínhamos o número do embaixador para o qual deveríamos ligar, mas sempre sem dar a entender quem nos tinha facultado tal numero. Uma hora e pouco depois já apertávamos a mão ao embaixador, explicando-lhe porque lhe pedíamos um visto de entrada para o seu país. Dominar o francês é quase imprescindível cá por baixo visto que as principais línguas utilizadas no comercio são o francês (língua dos colonizadores), o Árabe (língua da religião) e os dialectos tradicionais que variam por região e que não conhecem as fronteiras que os colonizadores ocidentais traçaram quase a régua e esquadro.

Entre calhaus e grãos de areia lá seguimos viagem, de passaporte visado na mão, a caminho do Mali. Na estrada, à entrada e saída de todas as aldeias ou cidadezinhas com direito a registo no mapa, estão sempre os controlos. Já em Marrocos era assim, mas se lá o passaporte era sempre inquestionavelmente apresentado e a sensação era desconfortável apesar dos sorrisos e da aparente boa disposição dos “gendarmes”, na Mauritânia, paradoxalmente, as figuras eram sempre mais sisudas, mas igualmente mais tranquilas no sentido em que raramente faziam muitas perguntas e foram quase tantas as vezes em que nos pediram o passaporte, como aquelas em que apenas nos perguntaram a nacionalidade para depois nos mandarem seguir, já sorrindo em tom de resposta aos nossos sorrisos.
Convém referir, até porque falamos nisso enquanto escrevo, que a Mauritânia é linda! A paisagem varia radicalmente de norte a sul e à medida que vamos descendo vamo-nos apercebendo que estamos mais próximos do coração africano. As dunas ficaram lá atrás e a sua areia deixou-nos os tripés a ranger sempre que são operados – mas as imagens, asseguro-vos, valeram a pena. Agora vemos pela frente planícies rasgadas por singulares montanhas, a terra está mais escura e avermelhada e é fácil encontrar o que parecem ser rochas ferrosas relativamente grandes, vegetação esporádica e pessoas simpáticas apesar de receosas com a nossa presença. Já paramos várias vezes na estrada para perguntar direcções, oferecer umas roupinhas à canalha e sacar uns “shots” com as câmaras em locais remotos, já fomos convidados a entrar em tenda alheia, mas também já tivemos que dizer nãos menos sorridentes. O Mandinho está um profissional do tripé e eu e o Ricardo já temos o olho mais aguçado para o que é realmente importante ou redundante registar. Agora que estamos a ficar ambientados ao clima, às paisagens e às gentes lembramo-nos que daqui a dois dias estamos novamente noutro país e tudo recomeça. Comemos sempre bem, apesar de nem sempre o fazermos a horas e os banhos têm sido com regularidade intermitente - dois até à data. Estamos no Sul da Mauritânia a caminho de Nioro, já no Mali. Quando lerem isto já deveremos estar no Mali à procura do visto para a Guiné Conakry, nosso primeiro destino, ou, quem sabe, já às portas do mesmo. Temos andado pouco em comparação com o que gostaríamos de andar, mas estamos adiantados em relação às previsões que fizemos em Portugal. Temos saudades, mas não queremos pensar muito nisso, porque ainda nos falta muita estrada, muita malga de cereais e muitos pratos tradicionais pelo caminho, mas seguramente estamos cheios de força e cada vez mais fortes para o que ainda nos espera!



Para Portugal enviamos beijos, abraços e sorrisos
mais morenos e mais suados, mas também muito mais intensos....




Texto: Nuno Ribeiro
Fotos: Ricardo Leal
Assistente de câmaras: Armando Santos

6 comentários:

Kike Wualla disse...

lindas as fotos tá mesmo de mais.

Ke tal tem funcionado ai o sistema de 220V???

Continuem com essa força ke temos todos tb muitas saudades.

Akele abraço forte e beijinhos pro mandinho do KIKEWULLA lol.

hasta

álma aérea disse...

"(apesar de nenhum de nós se lembrar muito bem da ultima vodka que bebeu na vida)." quem não souber que vos compre!

estava ansioso por essas aventura, agr é que a viagem começou.

Os indianas jones na babilónia africana. Acho que mais do que um livro de sobrevivência devia ter dado um dicionário de francês.... enfim.

continuação!

peace

anitA disse...

as vossas fotos inspiram tanta kalma e kalor k so apetece partir rumo ao deserto e ao kalor humano africano
boa viagem k tudo seja concretizado e que o documentário vos guie *

Carochinha disse...

Adorei o texto, amei as fotos!
Beijinhos*boa sorte*boa viagem

maf disse...

:) Sem palavras...Continuem a descrever o resto da vossa aventura com a mesma intensidade apaixonada como têm feito até agora!Por aqui deliciamo-nos a participar, ainda que infimamente, nesse sonho...pelo menos as cores, os cheiros...é fácil fácil sentir através das magnificas fotos e dos textos deliciosos!:)
Obrigada pela partilha! Continuação de uma Boa Viagem!
Beijos para todos mas um especial para o amigo Leal!:)
Mafalda (a desesperar com o relatório!!!)

Anónimo disse...

Parabéns, porque para além da coragem, estão a passar claramente as sensações que se podem viver por aí...
Obrigada por partilharem connosco... MESMO!!
Beijinhos para os três, mas o maior para o meu amigo Nhuno!