sábado, 23 de fevereiro de 2008

Conakry, Guiné Conacri – 24 de Janeiro de 2008




Saímos de Sangbarala apressados, atarefados e muito tristes no dia 28 de Dezembro. Despedíamo-nos da aldeia que nos acolhera de braços e coração abertos em troca de uma viagem por maus caminhos até à “favela urbanizada” de Conakry que é habitada por uns singelos dois milhões de habitantes. Connosco, na piroga que nos levava para a outra margem, tínhamos todos os do costume. Muitos dos que foram tão emotivamente descritos pelo Mandinho nos textos sobre a aldeia estavam connosco na derradeira - mas nunca a ultima – travessia do Djoliba. Uns carregavam sacos e mochilas, outros sorrisos misturados com alguma tristeza, mas todos parecíamos saber que não era a ultima vez que trocávamos estes olhares.

Depois de acomodada toda a carga zarpamos para longe daquela margem, sempre com a certeza de que não íamos para um sitio melhor. Connosco trouxemos o Banjo, um miúdo feito homem em Sangbarala que já conhecíamos desde os primeiros dias na aldeia e que ia pela terceira vez visitar a capital do país procurando sacar uns trocos a tocar em casamentos e, quem sabe, uma sorte melhor do que a que encontra na sua aldeia natal. Normalmente nas aldeias os músicos recebem apenas um “merci” e uma travessa de arroz (se a colheita for boa) pelo seu trabalho como percussionistas. É de referir que para esta jornada da sua vida, o Banjo não podia ter escolhido melhor boleia. Cedo nos apelidou respeitosa e amigavelmente de “Ankoroukan”, que significa irmão mais velho, recebendo em troca um “Andoukan” à mesma altura (irmão mais novo). A estrada esburacada fazia-nos antecipar um ambiente denso em Conakry onde chegamos no dia seguinte, pela tardinha. Mas ainda a caminho sofremos alguns percalços, sendo de registar a caça à multa em Kindya onde fomos perseguidos de moto pela policia por alegadamente não termos parado num posto de controlo sem sinalização no qual pagamos 10.000 FG (1.70€) para a gasolina da mota; a paragem forçada numa rotunda pouco depois, onde nos foi pedida uma garrafa de vodka como presente; e por fim a detenção do Banjo no posto de controlo às portas de Conakry no qual pagamos para o libertar 3.000 FG (0.50€). Explicando melhor este último percalço, porque foi o que mais nos assustou, o nosso Banjo não tem a documentação em dia. Ele não tem sequer documentação para por em dia, razão pela qual saiu da Aurora enquanto parávamos no controlo quase fronteiriço que se impõe às portas da capital, atravessando-o caminhando pelo passeio, distante mas vigilante. Não precisou de nos explicar a razão daquela atitude repentina, mas devia tê-lo feito. Após o controlo de passaportes, boletins de vacinas, documentos da viatura, seguido do pagamento dos respectivos “douanes”, mal a Aurora se aproximou dele e enquanto lhe perguntávamos se não preferia entrar no carro mais à frente, mais longe de tantos homens fardados, atravessou para o meio da estrada e entrou no carro. Este gesto não passou despercebido e imediatamente o brilhante sorriso de olhos semicerrados do Banjo foi bruscamente interrompido por um militar que quase o arranca para fora do carro perante a nossa perplexidade. Adiantou-nos pouco tentar explicar que ele era nosso amigo e que vinha connosco de boleia. Foi levado sem oportunidade para olhar para trás, quase arrastado, confuso e visivelmente alarmado com a situação. Melhor não ficamos nós. Enquanto o Mando e o Ricardo foram apressados acudir ao Banjo, eu fiquei a zelar pela segurança da Aurora e forçado a fechar os restantes vidros para evitar assédios a presentes e a dinheiro, sofri da minha janela entreaberta a angustia de não saber se veria novamente o Banjo, enquanto acendia o próximo cigarro com o sacrifício do anterior. Aqueles dez minutos, e dois cigarros, souberam-me a horas e só descerrei o ânimo quando vi os meus três amigos a aproximarem-se. À entrada na Aurora o Ricardo diz-me que a fiança custou três mil francos guineenses, uns míseros cinquenta cêntimos europeus, coisa que me fez sorrir de alivio e ao mesmo tempo olhar para o Banjo nos olhos com um olhar repreensivo mas muito feliz. Aqui o “Andoukan”, tal como muitos guineenses, não foi registado, tem apenas uma ideia da sua idade, mas não muito precisa. Como é de regra em Africa, o Banjo não é muito apto para burocracias e o registo como cidadão é sempre menos importante e mais trabalhoso do que qualquer outra coisa. Aliás, uma das coisas que mais nos chama à atenção em Africa, quando temos oportunidade de aprofundar um pouco mais as conversas com as pessoas, são as discrepâncias que ouvimos acerca das idades de cada um. Nunca ninguém tem bem a certeza do dia em que nasceu ou da idade que tem e quando a têm, muitas das vezes percebemos que estão – aparentemente – mais enganados do que nós quando lhes “tiramos as medidas”.



Depois disto tudo seria melhor. Guiados pelo Banjo e pela memória do Mando, encontramos sem dificuldade ou erro a casa de Famoudou Konaté, pai do Billy Konaté – principal responsável pela nossa vinda a Africa. Enquanto encostávamos a Aurora um miúdo corre lado a lado com ela exclamando: “Mandino, Mandino, Mandino!!” Eu nem queria acreditar pois o miúdo parecia ter uns seis ou oito anos e o que parecia ser uma memória exemplar. O gelo provocado pela mudança de “clima” entre a aldeia e a cidade estava quebrado. Simbaya, o “quartier” dos artistas na periferia da cidade, ainda recordava o ultimo português que caminhara por estes tortuosos caminhos dois anos antes, coisa que foi sendo comprovada pelos encontros seguintes que fomos tendo com os habitantes locais.

Ficamos alojados em casa de Fanta Kaba, Mã Fanta como é normalmente chamada por todos. Esta senhora surpreende qualquer um pelo seu charme, e creio bem que estou a utilizar o termo correcto. De idade relativamente avançada, é belíssima em todos os sentidos e digna da maior confiança. Sim, porque em Conakry, tal como em qualquer cidade Africana a confiança é uma coisa preciosa e não pode ser dada a qualquer um. É preciso ir “deucement”, “donim-donim”, devagarinho e bem atento… Em torno das áreas mais frequentadas pelos brancos, toda a gente de “business” nos trata precipitadamente e sem vergonha nenhuma por amigo e irmão. Mas com os portugueses leva tempo e não tivemos papas na língua para demarcar bem a nossa posição de ancestrais comerciantes. Durou pouco a ignorância dos que nos achavam iguais a qualquer branco que por ali passou. Posso dizer pelos três que fizemos bons negócios, e que nos orgulhávamos sorridentes quando nos chamavam de “Kouro-Kouro” (forretas). Ainda não sei se eles tinham ou não consciência de que os maiores forretas eram eles, apesar de terem bem necessidade disso, por nos pedirem sempre o triplo do que no final acabávamos por pagar, sendo isto provavelmente o quádruplo do que seria realmente justo. Negócios à parte, fomos bem recebidos pela Mã Fanta que se disponibilizou para ser entrevistada por forma a dar conhecimento das suas experiências como coreógrafa dos Ballets Africains nos anos sessenta e como uma pessoa que viveu por dentro o regime político e cultural que despoletou a subida ao palco da Musica Malinké. Viveu os ballets por dentro, trabalhou com os maiores mestres percussionistas da Guiné e ainda hoje a sua casa recebe estágios de música e dança e estudantes de música dos diversos cantos do mundo que procuram guarida numa tranquilidade diferente da que abunda, ou antes escasseia, na capital. Podia falar mais desta senhora, mas mais do que informação chega-me dela um carisma e uma amabilidade raras, infelizmente.






Sairemos de Conakry em breve, já estaremos longe quando lerem isto, mas estaremos certamente melhor, novamente em Sangbarala a acabar o que nos falta do trabalho a que nos propusemos aquando da nossa partida. Daqui em diante as oportunidades para escrever e colocar fotografias neste blog que nos deixa mais perto de casa ficarão novamente ameaçadas. A Internet escasseia neste país e a que há deixa muito a desejar. Sinto que ainda me falta escrever muito sobre esta cidade, mas o cansaço de hoje e as responsabilidades de amanhã não deixam.

Para Portugal só podemos enviar saudades e uma mensagem de tranquilidade. Estamos bem e de saúde e não temos grande pressa para voltar ao friozinho que por aí ainda se faz sentir. Depois de acabado o trabalho em Sangbarala tirarmos partido do encanto da aldeia e subiremos lentamente, Africa acima como já noutras paginas foi escrito, tentando saborear melhor a subida do que a descida apressada que fizemos.


Texto: Nuno Ribeiro
Fotos: Ricardo Leal
Mentor: Armando Santos

3 comentários:

Anónimo disse...

Oh pra essas caras de mouros a contar o dinheiro!!!!!!!!!!!!!!!!!

Ai se o ministro das finanças vos apanha!!!!!!!!!!!!!!!!!

Mataram a fominha???

bjos aos três

FabíolaFernandes disse...

ambé sini... *

Anónimo disse...

Então Ricardo ...vem daí um texto ou tu é só fotos.Vá lá escreve pra malta e não te esqueças da do Porto, eles estão sempre a perguntar por ti...eles já têm net e telefone o número é 222424472. Beijs grandes e vai dando notícias, os de casa mãe, pai e mana.Beijs...........grands...........