terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Sangbarala, quarta-feira, 31 de Janeiro de 2008



Saímos de Conakry bem cedo, acordamos às cinco, mas só arrancamos às nove. Bem ao estilo português – mal seria. A viagem correu bem, apesar das más condições da estrada e a Aurora nunca tivera nesta sua aventura tantos passageiros a bordo como nestes 550km que separam a capital da aldeia de Sangbarala. Relembro que para além de trazermos de volta o Banjo à sua aldeia, trazíamos também connosco dois “gringos”, o espanhol Miguel e o alemão Eckhard. Entre “ataia” (chá chinês) e pães com omeleta, trocamos acesas mas sempre brincalhonas opiniões musicais – sempre à custa das escolhas do Armando. O Banjo aprendera a lição e desta vez não saiu da Aurora no controlo. Em vez disso sacou o djembé do Miguel do saco e tocou umas notas bem alto para que a policia o identificasse como artista e não como algum criminoso foragido e sem papéis. Foi limpinho. À saída os sorrisos dos militares contrastavam radicalmente com o que recordo das mesmas faces aquando da nossa entrada na cidade. Apesar da época de ouro dos Ballets parecer ter acabado, toda a gente parece ter ainda um respeito especial pelos músicos. O que não invalida nem torna ausente a já habitual abordagem interesseira. Como chegamos pelas onze da noite a Kouroussa (capital de distrito), com receio de não arranjarmos piroga para atravessar o rio, dormimos por lá no único hotel que conheci. Na manhã seguinte fizemos os cerca de dez quilómetros que nos separavam da “nossa” aldeia e foi sorridentes que olhamos novamente aquele rio, aquelas margens repletas de cor, e aqueles sorrisos estampados nos rostos das crianças.



























Saudade. Este sentimento tão português parecia transbordar de nós para todos eles e em pouco tempo estavam cinco “tobaboos” – brancos, mais um punhado de “petits fafaris” – pretinhos, com as nossas coisas acauteladas dentro da piroga à espera que o timoneiro a fizesse arrancar. Soube bem pousar novamente o pé naquela margem, soube mesmo bem. De repente podíamos novamente por em prática o nosso rudimentar “Maninkaka”, já um pouco enferrujado pois em Conakry, por mais Malinkés que hajam, quase todos falam Sussu. Os “Inicés” (“olá” depois de uma longa ausência) repetiam-se misturados com sorrisos e apesar de curto, foi longo o caminho que percorremos até chegarmos ao bairro familiar que aloja a “nossa” palhota. Lá dentro parecia estar tudo na mesma à nossa espera, mas com um pouco mais de pó. Guardamos apressadamente as coisas e saímos para a pracinha aqui em frente. O resto da canalha começou a chegar e dividiram-se os colos e os abraços. Pouco depois conhecemos os cinco ingleses que entretanto chegaram à aldeia para fazer um estágio de percussão e cedo chegou a hora do almoço. Éramos muitos a partilhar o mesmo prato de arroz com molho de peixe, entre brancos aprendizes e pretos professores, novos e menos novos, todos a comer do mesmo pote, fazia-se a “união africana” – como ouvi chamar em Conakry. Repetia-se a rotina nunca enfadonha da pequena aldeia.











Cá pela aldeia ficaremos por tempo indefinido, a aproveitar os cursos de percussão, sempre mais tradicional do que a que se pratica em Conakry, estas imagens, esta paz e esta mescla de sentimentos e sentidos. Sem pressas, por mais que custe às nossas famílias. Já faltou mais para o regresso, mas faltou mais também para levar daqui o máximo possível, armazenado nos nossos corações e na nossa memória. Sim porque, quando no futuro pensarmos nesta viagem não vai ser certamente das atribuladas capitais que nos vamos lembrar, mas antes desta coisa inexplicável que se sente nas aldeias. Esta hospitalidade tão querida e tão honesta.


Texto: Nuno Ribeiro
Fotos: Ricardo Leal
Chauffer: Armando Santos

Coordenadas GPS de Sangbarala para o Google Earth:
10º40’5”N – 09º40’26”W

4 comentários:

Rita Santos disse...

E enquanto ai se enche e se preenche, eu já fui, voltei e daqui a pouco sigo de novo. Para encher e preencher de novo, mais e mais. E ai, aqui, onde quer que a gente esteja ou vá estar, desde de que se sinta e saiba o "valer a pena", nada mais é preciso explicar! Aproveitem tudo, sempre, e toda a sorte do mundo para voçês

Miguel Brázio disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Miguel Brázio disse...

Olá amigos,
New look, à maneira!
“Mandino”, parece que te vais aliar ao Solidariedade, em Gdansk! ;-)
Brincadeira à parte, mais uma excelente aparição, respondendo a todos quanto queriam uma observação in loco destes grandessíssimos “Mandés”.
Nova resenha dessa ventura que se nos aproxima duma forma tão real originando por momentos, uma tão boa e modesta ilusão.
Tenta-se sentir o calor do ar e respirar o espírito desse povo.
Quanto à hospitalidade, diria desinteressada. Um dia serás profeta disso Nuno.
Um abraço.

Unknown disse...

pahhhhh!!

ki feios!!!



olha... não tenho vindo pois..
encontrei a Tezoura... sorry

beijinhos...
:D