quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Projecto VianaConakry à conversa nos Serões Sem TV desta quinta- feira

Quinta-feira, dia de Serão Sem TV em Viana do Castelo que hoje inclui, a partir das 22h30, uma apresentação e exibição do projecto Viana-Conakry nos Antigos Paços do Concelho, onde decorre a exposição sobre a viagem de três jovens vianenses à Guiné Conacry, de onde regressaram em Maio passado trazendo na bagagem 20 mil KM de novas experiências. Os aventureiros pretendem, hoje à noite partilhar esta viagem, através de uma breve apresentação e uma conversa com todos os presentes.
Apareçam!!
Tjá.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

De Volta... agora em EXPOSIÇÃO

Passaram três meses desde o regresso... Tempo para voltar à realidade e respirar depois de uma aventura demasiado profunda e intensa. Mas este tempo serviu, também para reunir e escolher algum do material recolhido, depois de quase seis meses em Àfrica para poder em mostra-lo agora a todos os que acompanham este projecto e a todos os que passarem por Viana do Castelo...
A história começou assim: há quase um ano partiram de Viana do Castelo com destino à Guiné Conakry , onde permaneceram mais de cinco meses, com o propósito de fazer um documentário sobre a cultura e a música tradicionais daquele País africano, sempre abordo de um Peugeot com 21 anos.
Os três jovens vianenses têm agora o objectivo de lançar um documentário, mas entretanto, o melhor da viagem vai agora ficar em exposição no Edifício dos Antigos Paços do Concelho de Viana do Castelo até ao final deste mês.
A inauguração da exposição acontece hoje à noite aproveitando a presença de Namorykeita, em Viana do Castelo, um dos maiores percussionistas da Guiné Conakry e dono ad casa que alojou estes três aventureiros, na aldeia de Sangbarala .
A exposição apresenta Fotografias, da autoria Ricardo Leal, o Road Trip realizado por Nuno Ribero, enquanto que as sonoridades pertencem aos Madandza, do qual o Armando Santos faz parte, um grupo de percursão africana de Viana do Castelo.

Apareçam!
t'já

terça-feira, 27 de maio de 2008

Miguel "Bigotè", o espanhol, escreve para Portugal!

Foi com bastante ânimo que, faz já uma semana, que recebi na minha caixa de correio electrónico um mail do "nuestro hermano" Miguel Moreno Pons. Esse intrépido espanhol que teve a coragem de tomar a nossa Aurora como dele, e fazer connosco a estrada que separa a hedionda Guiné Conacri do pesqueiro turístico que é Marrocos. O Miguel, em pouco tempo, conquistou a nossa amizade e tudo o que ela acarreta. E por isso lhe pedimos (de forma quase forçada - dada a sua timidez) para escrever um texto que pudesse figurar nas memórias deste blogue. Quanto mais não seja para que possamos, os quatro e em conjunto, rir daqui a uns anos ao relê-lo. Pois bem, contra todas as expectativas e contra todos os agoiros... Miguel, o espanhol, escreve-nos desde a sua ilha natal no Mediterrâneo.


Convém dizer que já em Marrakesh, ainda na nossa companhia e sobre terras mouras, o Miguel tentou escrever um texto para este blogue. Chegou mesmo a terminá-lo, mas este nunca passou nas primeiras eliminatórias da censura. Sem qualquer risco a lapiz azul, mas com a suficiente contestação, lá acabou por concordar que poucas daquelas linhas poderiam ser transcritas para estas páginas. Recuso-me como é óbvio a descriminar as razões de tal censura! Prometeu-nos então, sob ameaçadoras represálias, que nos escreveria logo que chegasse a Palma de Maiorca. Assim o fez, e se este texto só agora é apresentado a público isso deve-se, não à censura, mas à nossa dificuldade de adaptação a terras luso-babilónicas e aos atrasos que desta advêm.

Para o Miguel enviamos um abraço saudoso, e esperamos ansiosamente pela continuação do texto!


Na integra:


«Buenos, segundo intento… Esperemos que vaya bien... Podéis suprimir las partes que no os gusten... o cambiar el texto entero. Yo bien un poco de bajón por volver a la isla que es un conyazo pero al menos con Marta buen rollo… En fin.



Textooo…

Queridos lectores, he aquí un humilde servidor dispuesto a relatarles un viaje marciano por tierras africanas con tres bigotudos portugueses... Esos amigables vecinos, gente boa... En mis viajes raramente me cruzo con ciudadanos lusos, pero cuando aparecen silenciosamente entre las brumas suele acontecer en los mas inhóspitos parajes... La cima del Monte Ararat, cruzando el Cerro del Aguila o en este caso Conakry... Estaba yo en Simbaya barrio de músicos y artistas cuando los vi por primera vez. Me resultaron familiares por su apariencia Mediterránea... Pero algo llamo mi atención… Sus bigotes! No sabia donde encajarlos… Serian agentes secretos o quizás comerciantes de dudosa reputación... Quien sabe... Yo siempre sospeche del bigote… Ya vieron policías jueces notarios y todas esas gentes de mal vivir lo llevan y supongo que ya vieron al monstruo de Austria... Si el de la hija encerrada… Pues también con bigote… Extrañas coincidencias verdad... Lo que no sabia yo era que acabaría emigrando con ellos hacia Europa cual ave rapaz con un bigotito en mi rostro… No se imaginan el trauma que supone... ¡Puede alterar la personalidad seriamente!

En primer lugar encontramos el bigote estilo Mandinho, o camionero pendenciero… Es un bigote largo hasta la barbilla con pelos negros como patas de cucaracha saliendo por cualquier lado, a veces con granos de arroz colgando o restos de sopa. El portador de este tipo de bigote suele tener pocos amigos. La gente lo ve y se asusta, pero en el fondo oculta una alma tierna amante de los niños y de jugar petanca los domingos… Años, a la vez también es útil para evitar compañías molestas como vendedores de alfombras y guías de nariz aguileña… Pues solamente su visión aleja al malandro mas experto... El segundo bigote un poco mas corto pero igualmente notorio es el conocido bigote general prusiano, o Nuno, el azote de tarfaya… Es un poco mas claro con puntas hacia las orejas acompañado de una ausencia de patillas. El resultado es demoledor! Sobretodo cruzando las fronteras… Puede aturdir cualquier funcionario de aduanas y generar confusión. También es sobrio imponiendo respeto pero no tan agresivo como el Mandinhos… Muy útil para comuniones y bautizos… Por ultimo encontramos el bigote Leal el cartero siempre llama dos veces o pon la luz en medio de la mesa… Es un bigote todo terreno diseñado para acciones rápidas como escalar muros subir ventanas esconder las botellas de whisky del maletero o hacer un te en medio del desierto en menos que canta un gallo... De color claro y más corto es el típico bigote malandrín. Discreto y bien camuflado puede pasar desapercibido, pero si lo reconoce por favor no lo invite a su boda…

Y solo falta un bigote... Si señores una nueva invención creada en tierras africanas concebida para un viaje largo y polvoriento… Un bigote capaz de resistir las inclemencias del clima… Mas de 6000 kilometros por tierras ardientes... Vio la luz el bigote Adolf!... Y con estos cuatro bigotes comienza la aventura!!!..
Oye Nuno te envío esta primera parte a ver si te gusta y luego te escribo la segunda que me tengo que ir a comer… Un abrazo a todos… Dime cosas a ver k tal… ok? Abrazoooo!!»

terça-feira, 6 de maio de 2008

PARABÉNS AO NUNO!!!


Hoje é o NUNO RIBEIRO que está de PARABÉNS!

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Em Viana e já são notícia!

Viana: Jovens aventureiros regressam da Guiné-Conacri com documentário sobre djambé

Viana Do Castelo, Portugal 05/05/2008 16:32 (LUSA) Temas: Música, Curiosidades, Aventura, Sociedade

Os três jovens aventureiros de Viana do Castelo que viajaram até à Guiné-Conacri numa viatura com 21 anos anunciaram hoje, no regresso a casa, que o prometido documentário sobre o djambé estará pronto dentro de um ano. "Entrevistámos mestres antigos e professores da Universidade de Conacri, vimos de perto como é feito o djambé, desde o corte da árvore até todo o cerimonial associado, pensamos que um estudo mais completo seria difícil", disse Armando Santos, 29 anos e o mais velho do trio. "Agora, vamos trabalhar todo este material, compilando-o num documentário que esperamos ter concluído dentro de um ano e que poremos à disposição de todos os interessados", acrescentou Ricardo Leal, 25 anos, o mais novo dos aventureiros. Os jovens partiram de Viana do Castelo a 18 de Novembro, rumo à Guiné-Conacri, tendo como grande objectivo a realização de um documentário sobre o djambé, um antigo e tradicional instrumento de percussão cujo som é "arrancado" com as palmas das mãos. Além do documentário, os aventureiros prometem ainda mostrar os resultados e contar as peripécias desta aventura através de uma exposição de fotografia, a edição de um livro, também de fotografia e uma outra obra sobre a viagem propriamente dita. "Este livro será uma espécie de diário de bordo", sintetizou Nuno Ribeiro, 26 anos, o outro elemento do trio. Nas estórias, um lugar de destaque vai ocupar a "Aurora", ou seja, a velhinha Peugeot 505, com 21 anos, que compraram por 500 euros e na qual percorreram quase 20 mil quilómetros, sem problemas mecânicos de qualquer espécie. "Tirando as suspensões, que tivemos que substituir porque as estradas que percorremos eram, de facto, muito más e cheias de buracos, a 'Aurora' não nos deu qualquer problema. E até já estamos a pensar nela para futuras aventuras", garantiram. Desta expedição, além de mais ricos cultural e socialmente, os três jovens regressaram todos de bigode, "imagem de marca dos portugueses no estrangeiro" e um deles, o Ricardo, também mais rico fisicamente, com um dente de ouro. "Ficou-me baratinho e aproveitei", referiu. A ideia desta viagem surgiu em meados de 2007, na sequência de um repto lançado em Viana do Castelo por Billy Konaté, um dos nomes mais sonantes da Guiné-Conacri no que diz respeito ao djambé. "Propôs-nos a realização de um documentário sobre este antigo e tradicional instrumento de percussão, para perpetuar a genuinidade da percussão africana e evitar algumas adulterações que podem comprometer o seu futuro”, disse Armando Santos. Armando, Nuno e Ricardo, todos licenciados, não escondem que, além do djambé, houve um factor ainda mais forte que tornou aquela proposta irrecusável: o fascínio que África exerce sobre os três. "África tem o condão de pôr as pessoas com um brilhozinho nos olhos, é qualquer coisa de muito especial, de único", sustenta Nuno Ribeiro. Armando e Nuno repartiram entre si a tarefa de conduzir a Peugeot 505, de sete lugares, enquanto que a Ricardo, até porque não tem carta de condução, coube registar o diário de bordo, perpetuando os momentos vividos e actualizando o blog onde descreviam, a par e passo, as incidências da viagem. Na mira dos jovens está já uma outra aventura, desta vez à Índia, seguindo a rota dos portugueses nos Descobrimentos.


VCP. Lusa/fim

sexta-feira, 2 de maio de 2008

CONAKRYS CHEGAM A VIANA DO CASTELO

(17 de Novembro de 2007
Fotografia de Arménio Belo)

A poucos dias de contabilizarem seis meses desde que partiram para Àfrica, estes três aventureiros vianeneses estão de regresso a casa.


Amanhã dia 3 às 24 horas ( madrugada de Domingo) chegam a Viana do Castelo

O Encontro está marcado para esta hora, na Praça da República, junto ao Bar Liz.



Estão TODOS convidados!


Mais tarde no Nasoni está prometida a "Festa do Bigode".


tjá
Rubina

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Entre o Sahara e as montanhas!

Entre o Sahara e as montanhas passamos por locais onde tivemos que nos deram as maiores visoes desta viagem e das nossas ainda jovens vidas. Presenciamos boas e inesqueciveis imagens que nem sempre foram faceis de captar, apesar dos esforcos.

Conhecemos e trouxemos connosco musica revolucionaria Saharaui da vila de Tarfaia, esgotamo-nos com a escalada da duna de Merzouga, deslumbramo-nos com a imensidao do deserto e deixamos descair o queixo quando a lua iluminou, sobre as nossas cabecas, as falesias que se erguiam ceu acima nas Gorges de Todre.

De tudo isso apenas temos para mostrar um pouco dos bastidores...

Este foi, senao o ultimo, o nosso penultimo post e consequente mostra de imagens. Ja estivemos bem mais longe de casa. O Miguel apanha amanha o seu voo entre Fes e Barcelona de onde apanhara o ferry para Maiorca onde reside. Depois de nos despedirmos deste novo grande amigo e com as financas a ameacar a ruptura, pouco mais temos a fazer em Africa. Retornaremos entao, calmamente, a cidade que ja nos viu nascer e certamente nos vera crescer!

Ate ja!

quinta-feira, 10 de abril de 2008

segunda-feira, 7 de abril de 2008

.... VIAGEM DE REGRESSO....

Bamako, Mali – quarta-feira, 2 de Abril de 2008


Quase um mês depois voltamos a escrever. Lamentamos a demora, mas não tivemos muito por onde escolher, visto na Guiné só haver Internet em duas cidades e a electricidade escassear na palhota que nos abrigou por mais de dois meses. De uma coisa nos resta a certeza: não temos jeitinho nenhum para planos a longo ou a curto prazo. Primeiro porque o dinheiro de que dispomos nunca chega para o que seria desejável, logo tivemos que esquecer as visitas à zona florestal, à nascente do Djoliba (Níger) e ao País Dogon (já no Mali).



Depois porque o destino não quis levar o grande Fadouba Oularé deste mundo tão cedo nem enquanto ele cá fizer tanta falta, o que nos levou novamente a refazer planos, visto já termos posto de parte uma visita ao Faranah, como já é normal, por razões de ordem económica. Mas falarei da experiência no Faranah um pouco mais adiante. Para já, e por ordem cronológica de acontecimentos, falarei um pouco sobre a experiência numa pequena aldeia que em termos de interesse nada fica a dever à região do Faranah ou à aldeia de Sangbara. Após a saída de Conacri, regressamos a Sangbarala onde fomos recebidos com a folia do costume, mas, passados cerca de três dias abandonávamos novamente a nossa base de trabalho na aldeia para visitarmos pela primeira vez uma outra aldeia, também esta na região do Hamana e na qual encomendamos três Djembés tradicionais. De nome Kokoudouning (pronunciado localmente como “Koukodiné”), esta pequeníssima “aldeia familiar” foi como que um oásis maior e com mais palmeiras do que o que encontramos em Sangbarala quando lá chegamos pela primeira vez. Fomos tratados exemplarmente e nunca comemos tanto e tão saboroso em toda a Guiné. Ficamos alojados com a família de Mamady Kanté, “Forgeron” (Ferreiro, neste caso Carpinteiro) da aldeia e a hospitalidade desta família bem como a sua capacidade para “lidar connosco”, em tudo o que isso significa, ultrapassou quaisquer expectativas que pudéssemos ter. Para não sermos forçados a remediar, prevenimo-nos com alimentos de Kankan, a segunda capital do país, uma espécie de cidade do Porto em Portugal. Destes alimentos, apenas cedemos à Mulher do Mamady um punhado de cenouras, para além do arroz que compramos com seu marido. Tudo o resto que comemos vinha da aldeia e estranhamente ao esperado as refeições tinham um sabor apuradíssimo. Soube-nos pela vida refastelarmo-nos como já há muito não fazíamos. Grande frango! – Não comíamos carne de tamanha qualidade há mais de dois meses! Mas, gastronomias à parte, o que nos levou a esta aldeia maravilhosa e acolhedora foi o registo do fabrico de um Djembé inteiramente tradicional, onde todo o tronco é escavado à mão e onde a montagem da pele não envolve ferros ou cordas de alpinismo, mas sim um “sistema de cordas” feito em pele de antílope cortada numa longa tira que é depois torcida e posta a secar ao sol, o que lhe confere uma resistência incrível. No dia em que chegamos à aldeia de Kokoudouning estava preparado um sacrifício para pedir aos demónios saúde, prosperidade para a aldeia e, claro está, dinheiro! Do sacrifício do bode e da galinha, para o qual fomos convidados a sentarmo-nos na primeira fila, resultou a preparação do almoço com os animais sacrificados, ali mesmo na mata, e a fome não desculpou o naco de carne que nos calhou a cada um.

Depois do trabalhoso sacrifício, tal como já acontecera antes deste, houve música claro está e o Mando foi convidado a tocar o Dounumba da aldeia! Registamos um pouco dos preparativos, mas fomos logo avisados de que não poderíamos registar o sacrifício nem o seu local específico. – Nada de grave! O que nos levara a Kokoudouning era o registo do fabrico de um Djembé tradicional e disso não nos pudemos de forma nenhuma queixar. No dia seguinte partimos bem cedo para o mato e tivemos o privilégio que muito poucos “tocadores” de Djembé tiveram. Observamos o mítico corte do Lenké, árvore cuja madeira produz o melhor som para os Djembés, com direito a cerimónia incluído. O demónio que habita o Lenké autorizou o corte da árvore quando as nozes de cola lançadas ao ar pelo Mamady caíram ao chão numa posição especifica e esta foi derrubada pelo seu machado e pelo do seu irmão mais novo de nome Lanfiya. Daí foi cortado um cepo que logo ali, no mato, foi desbastado à machadada adoptando rapidamente a forma “bi-cónica “ de qualquer Djembé. Ainda muito tosco mas muito mais leve do que o cepo que lhe deu origem, a madeira foi levada no porta-bagagem da bicicleta até à sombra de uma Mangueira à entrada da aldeia, onde o trabalho foi concluído exemplarmente. Com uma boa forma, arestas bem limadas e bem banhado a “Tuloungbé” (vulgo Carité), procedeu-se então à montagem tradicional com pele de antílope. Uma pele cobre a cabeça do Djembé e é esta que, quando tocada com as mãos, vibra produzindo o som que conhecemos como o do Djembé (tal como qualquer bombo minhoto ao ser atingido pela força da grande baqueta). A outra pele é cortada numa fina mas longa tira em espiral das pontas até ao centro, que, depois de torcida sobre si mesma é posta assim a secar ao sol. Depois de seca fica rígida mas algo maleável e muito resistente, sendo depois utilizada como corda para aparelhar a primeira pele. Este método tradicional não permite a afinação do instrumento, ficando esta ao sabor da temperatura da pele. Tradicionalmente, antes de qualquer cerimónia, os músicos aqueciam as peles com palha a arder, como forma de as esticar, ou colocavam simplesmente os instrumentos ao sol ou em frente a uma fogueira. Com o calor a pele encolhe ganhando tensão e ganhando também um som mais agudo. – Afinaram-se assim milhares de Djembés em todo o Continente Africano durante milhares de anos. Hoje em dia, a montagem envolve apenas uma pele, que é tocada, sendo a segunda pele substituída por ferros e cordas de alpinismo. Isto permite esticar posteriormente as cordas de forma a afinar o instrumento. De tão tosco este Djembé se torna bonito e eu não poderia levar para casa melhor recordação desta viagem e do projecto que lhe deu origem. O Mando aproveitou para mandar fazer uns Cloches (sinos) para os doundouns dos Madandza, que certamente resistirão à fúria desmesurada do Zé Puto. Estes, feitos no Hamana, região de onde são originais, foram moldados a partir de uma placa de ferro com cerca de um centímetro de espessura, entre horas de carvão incandescente e marteladas impiedosas. - “Estes o Zé não vai partir carago” dizia-nos o Mando com um orgulhoso sorriso enquanto os segurava na mão.



Estava cumprida a missão em Kokoudouning e podíamos retornar à aldeia para preparar rapidamente a viagem à região do Faranah. No que me diz respeito, este regresso a Sangbarala após três dias de ausência foi o mais caloroso. As crianças do bairro correram até nós gritando os nossos nomes quando nos viram dobrar a esquina arredondada das palhotas e as minhas pernas foram abraçadas por meia dúzia de bracinhos pequeninos.
Foi Namori Djan, o Djembé Fola de Sangbarala e dono da palhota que nos alojou na aldeia, que nos telefonou de Conakry, antes de partirmos até Kokoudouning, para nos avisar que a morte de Fadouba Oularé não passava de um boato de muito mau gosto e isto, claro está, fez-nos rescrever com entusiasmo os planos da viagem. Após a chegada de Kokoudouning permanecemos um dia na aldeia e zarpamos para o Faranah ansiosos pelo encontro com Fadouba Oularé e foi na companhia deste que ficamos durante os três dias em que permanecemos na vila. Não ficamos a conhecer muito desta região pois o pouco tempo que lá permanecemos, passamo-lo na companhia deste senhor, mestre indubitável do Djembé e da percussão Malinké. A sua casa fica no topo de uma colina, tal como Sangbarala, quase banhada pelo Djoliba (Níger) e de onde se pode avistar a chuva lá ao longe sobre as verdes planícies. Apesar de muito perto do Centre Ville, a sua casa tem o isolamento necessário a uma estadia agradável. Já por seu lado a companhia de Fadouba e de alguns dos seus 34 filhos ultrapassa o escalão do agradável para um panorama quase surreal de divertimento e boa disposição. Este senhor nascido em meados da década de 30 tem um à-vontade fora do comum e uma postura hilariante.

Como já expliquei no último texto que escrevi para este blogue, Fadouba foi o primeiro solista dos Ballets Africains, criados em 1958 pelo ministro da cultura e desporto da altura, e à custa disso percorreu mundo. Tocou em muitos países de vários continentes e como o regime do presidente Sekou Touré tinha bases e ligações comunistas, estes Ballets ultrapassaram facilmente a chamada muralha de ferro permitindo aos Ballets chegarem a quase todos os países do mundo mais desenvolvido da altura. É por isto e por muito mais, uma das três lendas vivas do Djembé, apesar de bastante menos acessível do que as outras duas lendas que vivem na Europa e Estados Unidos, como Famoudou Konaté e Mamady Keita. Fadouba sempre viveu na Guiné e para o conhecer é preciso lá ir, com tudo o que isso implica para um ocidental. Sem o chapéu que já lhe é característico recebeu-nos com um abraço, como se já nos conhecesse, e convidou-nos a sentar. Conversamos um pouco sobre o boato da sua morte, sobre o estado actual da percussão Malinké, sobre os ritmos originais do Faranah, sobre a sua vida artística e a possibilidade de dar umas horas de aulas ao Armando, e, finalmente explicamos-lhe o que nos levava realmente a procurá-lo. Aí os meus receios perderam todo o sentido! Foi sorridente que nos disse que não entrava em demagogias e que só dizia a verdade (fossem todos assim!), que me cedia a tal entrevista e as tais aulas ao Armando.



Marcamos tudo para os dias seguintes, e fomos tratar das contas para a palhota do “economista”. Outra figura impar! O interior desta palhota apresentava os sinais do seu proprietário que não sei bem como descrever, visto apresentar uma peculiar indumentária e uma forma de estar não menos particular. Os preços eram exorbitantes e então pareciam surgir os primeiros problemas no Faranah. Estes nunca chegaram realmente a sê-lo pois a aparente intransigência do “economista” foi bastante contrastada pela modéstia de Fadouba, que, ao aperceber-se de como trocamos olhares entre nós sem saber bem o que fazer perante tais exigências, acabou por nos perguntar quanto estávamos dispostos a pagar. Apercebeu-se também certamente de que não éramos como são normalmente os brancos que ali chegam. Não éramos frescos na Guiné, conhecíamos os preços normais da comida, alojamento e aulas de percussão e creio que foi mais isso do que propriamente os olhares que trocamos que o fez deixar-nos decidir o que pagar. Apercebeu-se também de que éramos pessoas justas e humildes e não pode ele, Grande Fadouba, deixar de agir com a mesma justiça e humildade. Depois dos orçamentos acertados, pagamos adiantado e fomos conhecer a nossa espaçosa palhota com duas camas. Entrosamos amizade com os filhos músicos do velhinho e com um francês que vinha do México para aprender percussão. Alguns com rastas, e todos com uma pinta que comparo facilmente à das personagens do filme brasileiro “Cidade de Deus”, estes jovens têm, segundo o Mando, talento para a música tradicional da sua região, também, com um pai daqueles mal seria se não tivessem. Apresentaram-se sempre extremamente prestáveis e amigáveis e ficamos com pena de não termos oportunidade para os conhecer melhor, tal como a seu pai.

Entre as conversas que trocamos com Fadouba falamos sobre o que se passa em Conakry e com os brancos que lá chegam para aprender percussão, falamos também sobre o seu estado actual e o dos seus filhos e foi exaltado que nos explicou que já tinha sabido que se dizia na “internek” que ele tinha morrido, como forma de desinteressar os ocidentais numa ida ao Faranah. – “Fadouba c’est pas mort. Fadouba, il est bien vivent!” dizia-nos exaltado. Pois bem, este ícone do Djembé mundial provou-nos na noite seguinte que tinha a vitalidade de um jovem apesar dos seus cerca de 80 anos, enquanto dançava com a máscara Kawa de forma energética, e a forma como deslocava uma cadeira ou como se sentava ou levantava desta já nos tinham feito prever que aquele velhinho tinha pouco a ver com um normal velhinho português. Tal como acontecia no nosso país e no resto do mundo há poucas gerações atrás, toda a gente trabalha tanto com o corpo como com a cabeça e dadas as adversidades da vida este trabalho não é propriamente leve. E fazem-no até à morte, dando-lhes isto uma apetência física e uma lucidez fora do comum para um “octogenário dos tempos modernos”.


Tínhamos chegado ao Faranah com chuva e deixávamo-lo com um sol quente mas nunca tórrido. Retornávamos à, mundialmente mais famosa, aldeia Guineense de Sangbarala para os últimos registos e um descanso que nunca existiu antes de partirmos para o terceiro e ultimo capítulo desta viagem – o nosso regresso a casa.Chegados à aldeia, reencontramos o Miguel, o espanhol com quem combinamos um regresso até Marrocos em conjunto, distribuímos as ultimas roupas e bolas para a canalha, filmamos e fotografámos o que nos faltava, fomos a Kokoudouning buscar os Djembés e uns almofarizes que encomendamos para levar para casa e ultimamos os preparativos para a partida. Depósitos de água e gasóleo atestados, carregamos a Aurora com o pouco que lhe faltava e dormimos a ultima noite na praia do Djoliba. Eu e o Leal sob as estrelas, e o Mando na tenda, com o Banjo, que inicialmente dormia ao relento coberto somente por um lençol e que eu e o Leal metemos na tenda quase a empurrão depois de o acordarmos em sobressalto tal forte era a sua tosse. Rimo-nos bastante com as expectativas que tínhamos de o Banjo acordar a meio da noite sem perceber como poderia sair da tenda, ou de como reagiria o Mando ao perceber que tinha um “estranho” a dormir com ele na tenda. Neste período de despedida, pessoalmente, esforço-me por não me recordar muito do que esqueci e do que deixei por fazer. Espero que não nos falte nada para fazer render bem este peixe. Não vale mesmo a pena chorar sobre uma quantidade desconhecida de leite derramado e só me resta a esperança de ter registado o suficiente e com um aproveitamento razoável para beber mais do que o que deixei derramar. Nestas coisas derramamos sempre algum leite, mesmo que não nos apercebamos disso! Na última manhã que passamos na Guiné, acordamos, como de costume a custo do Armando, que é sempre o primeiro a deitar-se e inevitavelmente o primeiro a acordar. O Mama já estava na outra margem e foi com o Banjo e com o Alpha que estas e outras personagens se despediram de nós pela última vez nesta viagem. Soube-nos a pouco, esta soube-nos a pouco! Apesar nostálgicos (como dizia o DMX na ultima noite na praia) e tristes, estávamos entusiasmados com o regresso a casa e com a viagem que faríamos, desta vez com o hilariante e nunca aborrecido Miguel. Esperam-se grandes momentos com este espanhol que já correu mundo e certamente, Portugal está marcado a traço grosso na sua rota futura.







Paramos em Kankan para as ultimas compras de apetrechamento da Aurora e ao final da tarde estávamos na fronteira. Às onze da noite entrava-mos em Bamako, capital do Mali e instalamo-nos na Missão Católica onde já tínhamos ficado aquando da última passagem por esta cidade. Já temos os vistos para a Mauritânia que, apesar de caros, foram rápidos de obter. E apesar de gostarmos da ideia de permanecer aqui uns dias para conhecer melhor Bamako, sabemos não ter dinheiro para isso num país em que os preços mais do que triplicam quando comparados com os da Guiné Conacri, chegando mesmo alguns a ultrapassar em dez vezes os do país vizinho. Amanhã bem cedo zarpamos rumo à Mauritânia onde não temos paragens agendadas que não sejam para dormir e comer quando necessário. Estes dois países que se interpõe entre a Guiné e Marrocos apresentam-nos preços que nos fazem reduzir as necessidades. - Se bem me lembro os preços na Mauritânia têm um valor próximo dos portugueses e nós nem para isso temos. Avinha-se uma viagem quente mas hilariante. O Miguel deixou crescer o seu bigode com um corte hitleriano, o Leal fez uma pelada no cabelo por acidente – o que o levou a rapar todo o cabelo a pente zero e o Mando cortou-me as patilhas quase à força de uma forma indescritível por palavras enquanto escrevo este texto. Temos tudo para partir a louça Africa acima e certamente não vamos fazer por menos.



Da estadia na Guiné sinto-me forçado a fazer um balanço final sobre o estado deste país e sobre o nosso estado nele. A Guiné foi várias vezes comparada com Portugal, nas suas semelhanças, mas o que mais se destaca nesta comparação são as suas diferenças. Foi certamente o país mais caótico em que estive, no qual tudo funciona a empurrão e onde só o dinheiro vale alguma coisa. Isto é particularmente visível, como é óbvio, na capital onde impera a lei do cifrão e onde um branco é sempre sinónimo de muitos. A população sofre de uma taxa de desemprego bastante acentuada. As ruas têm electricidade regular apenas no centro da cidade enquanto que na periferia a têm na maioria das noites. Nesta mesma periferia há ruas com mais de vinte anos que ainda não têm saneamento ou pavimento.




Há ruas onde os carros não chegam porque o caminho, apesar de bastante largo, é demasiado acidentado e caminhar de noite quando não há luz nem lua apresenta um risco considerável. Nos meios mais rurais que conhecemos acontece, tal como em Portugal e em todo o mundo: a humildade, hospitalidade, amizade e respeito crescem consideravelmente atingindo níveis quase impecáveis. O país funciona mal onde seria suposto funcionar bem e funciona bem onde tal não era de esperar. A polícia aqui é corrupta sempre que tem oportunidade e há poucas excepções, fomos aldrabados em 40.000 FG (cerca de 7 euros) pelo chefe da polícia de Kankan e parámos em todos os controles policiais por que passamos onde imperava a caça à multa e aos presentes de recordação que devíamos oferecer pela nossa estadia no país. Os preços Fote (branco no idioma Sussu) estavam sempre mais do dobro ou triplo acima do preço normal das coisas. Apenas em Sangbarala, em Kokoudouning e no Faranah nos conseguimos sentir em casa.

Esta viagem mudou o interior – e exterior! – destes três jovens que partiram numa viagem que se lhes apresenta como “a primeira viagem única de uma vida”
.

Ficamos mais “espertos”, mais audazes e mais atentos ao que nos rodeia. Tivemos oportunidade de, no meu caso e no do Leal, ter, como primeiro trabalho depois de um curso acabado, a oportunidade única de começar uma carreira profissional ou artística da melhor forma. E o Armando teve oportunidade de conhecer como nunca um país, uma cultura e uma música que adora. Entrevistou alguns dos seus ídolos e “figuras sagradas” e deu-se ao luxo de se alojar em casa deles. Safamo-nos bem na Guiné, apanhamos alguns sustos mas nunca desesperamos, fizemos bons negócios, muitos quilómetros e aprendemos muito. Escola da vida… Amanhã a Aurora arranca cedo e não sei se este texto entrará para o blogue neste dia ou se terá que esperar mais alguns até que entremos na Mauritânia –partindo do principio que em Nioro não haverá Internet e que sairemos de Bamako ainda antes dos Afrocyber-Cafés abrirem as portas ao público.


Africa acima, em tom de plágio, voaremos altos e sonhadores!


“Jusq à ici, tout va bien, le important c’est pas la choute... c’est la aterrisaje!“ – “Ou bien? Voilááhh!!!! C’est ça quoi?! – Merci!”


Texto: Nuno Ribeiro
Foto: Ricardo Leal
Mentor:Armando Santos

sábado, 8 de março de 2008

Conakry, República da Guiné – quinta-feira, 6 de Março de 2008

Depois de quase um mês na ausência de notícias, escrevemos para dizer que vamos repetir a dose. - “Desole!”
Em boa verdade não têm havido grandes novidades desde o ultimo relato no que diz respeito a paisagens ou experiências. Correndo o risco de ser contraditório, arrisco-me a dizer pelos três que a informação é tanta, que é difícil prendermos a atenção e algo específico para relatar nestas páginas electrónicas que nos unem apesar da distância física. Quando saímos de Conakry retornamos à aldeia de Sangbarala e de lá voltamos inesperadamente para Conakry de onde escrevemos agora para transmitir nova partida para a aldeia já amanhã. Atravessaremos o “Djoliba” pela “terceira” vez numa das pirogas de serventia da aldeia e esperamos que este terceiro reencontro seja tão animador e caloroso como o segundo – do qual infelizmente não tiveram notícias. Entre Conakry e Sangbarala dividimo-nos em entrevistas e registos esporádicos. Ficamos temporariamente sem telemóvel (que já recuperamos) e continuamos sem registar furos ou avarias de maior alarme na nossa companheira Aurora. O novo e deslumbrante vai caindo aos poucos na banalidade e apesar de já não haver muito para ver, sentimos sempre que ainda vimos pouco. A babilónica favela dos arredores de Conakry torna-se cada vez mais pesada, e não planeamos cá voltar, definitivamente. Quanto à aldeia de Sangbarala, por mais que nos identifiquemos com ela e com tudo o que a envolve, sentimos que permanecer lá muito mais tempo seria como que uma perda desse mesmo tempo uma vez que a Guiné tem muito mais para dar. Por estas razões rumamos após escala forçada em Sangbarala (para mais duas entrevistas) à região do Faranah, onde esperávamos encontrar-nos com Fadoubá Oularé que soubemos anteontem ter falecido esta semana de forma repentina. Este facto entristece-nos a alma bem como à de todos os Malinké que reconhecem na figura de Fadoubá uma mestria inigualável na arte de fazer soar o Djembé. Nascido na década de 30, destacou-se também como o primeiro solista dos Ballets Africains formados em 1959 pelo antigo regime da Primeira República de Sekou Touré que fez frente aos Colonizadores franceses e instituiu os Ballets como a face cultural da Guiné a mostrar ao Mundo. Dado o seu repentino falecimento, espero poder conhecer o seu filho e extrair-lhe respeitosamente alguma da informação que esperava obter do seu pai. A percussão Malinké e o mundo do Djembé ficaram mais pobres esta semana, e o nosso filme também…













Tristezas e lamentos à parte, fez precisamente ontem, dia 5 de Março, três meses que carimbamos a nossa entrada nas fronteiras da Guiné e achamos que talvez já seja demasiada a nossa permanência no país. Mais do que isto, é chover no molhado chão que parece estar sempre seco! Apesar de possuirmos vistos até meados de Abril, imaginamos abandonar o país cerca de duas semanas antes destes expirarem. Mas até lá ainda nos esperam muitos quilómetros de estradas esburacadas e poeirentas, Guiné adentro. Isto para dizer que além da região do Faranah tencionamos ainda visitar a região da floresta, no sul da Guiné. Floresta esta de ambiente tropical e com uma fauna e flora de fazer inveja à generalidade das regiões africanas. Segundo a Bíblia (Lonely Planet – West Africa) arriscamo-nos entusiasticamente a encontrar os animais que normalmente figuram nos documentários e livros sobre a vida selvagem africana e cujos nomes me vou escusar a descriminar com receio dos normais alarmismos lusitanos que já tivemos oportunidade de sentir aí desse lado do Mediterrâneo. Nada de grave, está tudo controlado, como sempre! – Os leões não gostam do asfalto!! Era também de grande valor subir ao Monte Nemba, que personificado pela estátua com o mesmo nome serve de símbolo iconográfico ao país que mais tempo nos acolheu nesta viagem. Teremos ainda oportunidade de procurar, na região de Fouta Djalon a nascente do Djoliba, o Rio Níger, terceiro maior rio do Continente Africano, com cerca de 4100 quilómetros de extensão, artéria natural que serpenteia até ao coração africano passando pelo Mali, roçando o deserto do Sahara, atravessando o Níger e o Benim, desaguando finalmente na Nigéria num emaranhado de pântanos e canais. Sem este gigante africano a Africa Ocidental não teria esta verdura fascinante e creio poder dizer que a sua história e geografia não seriam certamente as mesmas.


Depois de matarmos a curiosidade sobre o que poderemos encontrar pela Região Florestal, conhecida como “Guiné Forestier”, retornaremos à tão amada aldeia de Sangbarala onde contaremos os trocos que nos restam para o regresso e onde recuperaremos o fôlego que bem falta nos vai fazer.Antes de me despedir destas teclas por tempo indefinido sinto-me forçado a referir que enquanto permanecemos em Sangbarala, da última vez, conhecemos o polaco Wojtek e a sua namorada irlandesa Norah que apanharam boleia connosco para Conakry a bordo da Aurora. A Norah já partiu para a polónia e o Wojtek fica por cá mais um mês e meio entretido entre aulas de percussão, sardinhas enlatadas, maionese e ananases frescos. Este casal peculiar faz uma excelente parelha com o espanhol Miguel, cuja presença já referimos em textos anteriores. O humor cáustico e desmedido destes personagens juntou-se de forma efervescente ao nosso e foram várias as vezes em que se referiu a sorte que todos tivemos no cruzamento dos nossos caminhos. Pessoalmente, ri-me à fartazana como há muito não fazia e enquanto escrevo estas linhas recordo sorrindo as caras do Ricardo e do Mando nalgumas situações caricatas que vivemos, desta vez num conjunto mais alargado do que o do trio do costume. Receio não haver boas fotos deste casal, mas fotos do Miguel certamente não faltarão. Isto porque o espanholito “comprou” bilhete de subida, na Aurora e Africa acima, até Marrocos onde se instalará cerca de um mês a estudar a percussão da região, como já vem feito desde há anos, pelos mais diversos cantos do mundo por onde já teve a sorte de espalhar com brio o seu sentido de humor tão característico.



A sua subida a bordo da nossa Aurora está prevista acontecer em Bamako, capital do Mali, onde combinamos encontro, por onde já passamos a caminho da Guiné e onde ainda retornaremos antes de rumarmos ao “País Dogon”, também no Mali. Este “país” dentro de outro país, refiro em tom de esclarecimento prévio, é descrito na Bíblia como um dos dez locais do mundo a visitar antes de morrer. E nós, destemidos cavaleiros do asfalto africano (com toda a terra e poeira que isso representa), apesar de confiantes no destino, não sabemos o que a sorte ou o azar nos reservam e não nos vamos arriscar a nunca vislumbrar tamanha beleza. Fica portanto dada a dica, temos desvio marcado por quatro ou cinco dias para o “País Dogon”. – Também em tantas semanas, não serão uns dias que farão grande diferença no ritmo crescente da saudade que já nos assola deste lado e que sentimos já assolar muita gente desse lado. É de referir também que as altas temperaturas que se vão fazendo sentir nesta região de Africa não nos convidam a permanecer nela muito mais tempo. Desde que cá chegamos não tem sido difícil de comprovar que o calor africano pode sempre aquecer mais um pouco e pleonasmos à parte, nota-se bem a diferença entre a temperatura da nossa chegada e a da nossa partida. Está quente, muito quente!
















Sem mais assunto a atravessar-me a mente, envio para Portugal a certeza da nossa boa saúde, disposição e humor, esperando receber em troca compreensão pela falta de textos e de pressas no regresso.


Até já!

Texto: Nuno Ribeiro

Fotos: Ricardo Leal

Mentor: Armando Santos

domingo, 2 de março de 2008

MANIFESTO AO BIGODE

Sábado, 9 Fevereiro de 2008, (15:00h)

Quando começámos esta viagem nem eu nem os meus compinchas engendrávamos o que estávamos prestes a assumir, a responsabilidade era muita e desmesurada e o perigo arriscado, pois poderíamos gostar tanto que nunca mais voltaríamos a trás. Não é fácil, não podíamos, de ânimo leve, mudar a nossa vida desta maneira; Uii…e a minha querida Mãezinha o que haveria de dizer. Matutamos e aos poucos fomos assumindo a responsabilidade sem retorno, quase como um pacto de sangue, sem cortes profundos mas que inevitavelmente deixará as suas marcas.
Piamente, não acredito que nenhum de nós não o sinta da mesma forma, intensa e afectiva, que ate ao momento já leva para cima de dois meses e meio de intenso convívio. São sensações que se partilham em sintonia cronometrada, são sorrisos temperados a duas mãos, são pensamentos aconchegados em movimentos que sistematizam o estilo pessoal de cada um. E depois daqui nada volta a ser como outrora; é como ter o 1º filho, muda-nos a vida nem que não queiramos; e tudo passa de pronto para segundo plano. O que parecia ridículo e démodé ascende de repente a património pessoal e passa a ser a prata da casa.
É incrível quando por vezes temos a faculdade, e a destreza, de mudar radicalmente de opinião de forma tão natural e arrebatada, e se antes poderíamos ser contra agora ninguém nos pode garantir que não possamos ser a favor. E é assim a vida, prega-nos constantemente partidas e reforma-nos a face à imagem do mundo, e o que vamos conhecendo vai-nos sempre influenciar no correr das nossas escolhas, e é por isso que cada um deve sempre ver e conhecer o mais possível para melhor saber escolher.


Estilos não faltam, temos os esguios, os rebeldes, os estilosos e os certinhos, os nacionalistas e os vanguardistas, os claros e os escuros, os grossos e os fininhos, os originais e as imitações…e por isso é importante saber escolher.
Não é fácil mas também não é difícil, no fundo, o que eu acho é que não é para todos…nem todos têm apetência para tal, e só apetência também não chega, é preciso ter alguma reponsabilidade e, acima de tudo, muita consciência. Não podemos ser individualistas e por em causa a afirmação que levou anos a conquistar e que deu trabalho até ascender a património sagrado da humanidade em cada um. Mas estas coisas são mesmo assim, sagradas para alguns e ridículas para os demais. Temos de ser fiéis a nós próprios e não nos envergonharmos dele, porque tenho a certeza que é fiel o suficiente para jamais nos abandonar. Pelo menos ate que nós assim o queiramos, nunca nos deixará ficar mal nem tão pouco nos faltará ao respeito, é mais fiel que um cão e mais companheiro que um cavalo, tem personalidade e precisa de atenção. Por vezes chega a ter mais personalidade que o próprio portador, há pessoas que não são conhecidas pelos seus feitos, pelo seu passado, ou pelo seu QI, não…estas são conhecidas pelo seu mais que tudo.
Há quem diga que é símbolo nacional e característica de muitos portugueses espalhados por esse mundo fora, há quem diga também que é a marca de uma geração que é a bandeira de uma década. Mas deixando de fora o debate, eu cá acho que é algo com história que já foi reverenciada em variadas teses de mestrado espalhadas por esses quatro cantos.
Ainda sem enciclopédia ou dicionário é algo que não pode ser deixado ao acaso ás portas da extinção, é preciso recuperar aos poucos, e nisso os portugueses têm muita responsabilidade. Há quem pronuncie que aos Tugas assenta como ninguém e há outros, estes mais invejosos, que proferem que na época nos aproveitamos dele e que agora ajudamos a que pincele no esquecimento…sim eu falo do BIGODE…


Se o movimento artístico DADA, que surgiu em Zurick no século XIX teve direito a um manifesto, e se a esse movimento quando nasce já lhe estava talhada a sua extinção porque não pode ter o bigode também o seu manifesto e ainda para mais a partir de Sangbarala em direcção ao mundo?!
Ter um bigode não é pêra doce, é arriscado, e a educação de um bigode dá algum trabalho e dedicação. Se nos desleixarmos podemos arriscar o nosso bigode a ficar rebelde e espigado, com pontas soltas e riçadas, o que é um perigo, e é por estas e outras razões que um manifesto não só é importante para proliferar a palavra e o movimento “Bigote” mas também para explicar os cuidados a ter com a utilização de um bigode malandro.
Primeiro passo: há que ter muito amor e carinho e não se pode começar a deixar crescer um bigode por obrigação. Ele vai sentir a rejeição e aí será o 1º passo até à rebeldia desmesurada e o descontrolo jamais será controlado. Nos primeiros tempos convêm deixa-lo botar corpo e acamar em cima do lábio superior de forma bem desenhada para constatar o seu estilo próprio, e só depois se poderá começar a dar uma forma mais personalizada.


Segundo passo: há que arranjar um pente de dentes finos e macios para desembaraçar todas as manhas e após todas as refeições o nosso “mustashinho”. O pente será, a par do carité, o utensílio mais importante para o cultivo de um bom bigode. Cada utilizador deverá fazer-se acompanhar sempre de um pente, com estas características, e de um frasquinho de carité; (produto esse ao nível da soja e do aloé vera, quer isto dizer, quando foram descobertos comercialmente foram logo sugados ate ao tutano e de anónimos passaram a matéria prima mais usada no mercado de todo o género e feitio, modas) …mas aqui não se fala de moda pois um bom bigode não é de agora, falamos de um movimento impulsionador de manifesta admiração e afeição…e no fundo o carité até hidrata efectivamente a pelugem engrossada de um bigode malandro às portas da rebelião. Estou a pensar em criar um clube que, em consonância com o manifesto, levariam o bigode ao pedestal que é seu por direito…
”Os Unidos ao Bigode”…o nome parece-me bem e nele podemos ler “unidos e bigode”. Unidos leva-nos pensar de imediato num núcleo, numa concentração de esforços ou se não for de esforços pelo menos de ideais que se unem à causa “o que é usar um bigode”, que será a característica comum de todo o associado.
Seria uma associação sem fins lucrativos, que desse apenas para pagar as despesas de utilização do bigode e já agora umas cervejas de vez enquanto, desde que essas não pusessem em causa o brilho e a suavidade do mesmo.
Na associação não haveria cotas a pagar mas seria imposto a apresentação semanal do bigode, com termo de identidade e residência, junto daquela que regularia o núcleo onde só seriam admitidos bigodes com mais de 1 cm de extensão capilar.
O dia da nossa chegada seria escolhido como o 1º dia de exercício de nossa associação que para festejar o nosso regresso organizaria uma jantarada onde só seriam admitidas meninas bonitas e homens de bigode (com mais de um centímetro de comprimento). E o apelo está lançado, na nossa chegada queremos encher de bigodes rebeldes o restaurante que abraçará esta causa, e por cada bigode rebelde queremos ter 3 meninas bonitas para domar tanta concentração de ponta espigada. Queremos ter variedade de estilos e convidados de honra com mais de 10 anos de bigode ao peito (Paizão estás convidado) …queremos impulsionar novamente o charme e o requinte que só um bigode pode proporcionar e recuperar com iniciativas o brilho e a magia que vingavam no antigamente!



Contamos convosco e com o vosso bigode!!!...Talvez continue….


Um gandabraço e uma gandabeijoca!!!...

Até breve…

Texto: Ricardo Leal

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Sangbarala, quarta-feira, 31 de Janeiro de 2008



Saímos de Conakry bem cedo, acordamos às cinco, mas só arrancamos às nove. Bem ao estilo português – mal seria. A viagem correu bem, apesar das más condições da estrada e a Aurora nunca tivera nesta sua aventura tantos passageiros a bordo como nestes 550km que separam a capital da aldeia de Sangbarala. Relembro que para além de trazermos de volta o Banjo à sua aldeia, trazíamos também connosco dois “gringos”, o espanhol Miguel e o alemão Eckhard. Entre “ataia” (chá chinês) e pães com omeleta, trocamos acesas mas sempre brincalhonas opiniões musicais – sempre à custa das escolhas do Armando. O Banjo aprendera a lição e desta vez não saiu da Aurora no controlo. Em vez disso sacou o djembé do Miguel do saco e tocou umas notas bem alto para que a policia o identificasse como artista e não como algum criminoso foragido e sem papéis. Foi limpinho. À saída os sorrisos dos militares contrastavam radicalmente com o que recordo das mesmas faces aquando da nossa entrada na cidade. Apesar da época de ouro dos Ballets parecer ter acabado, toda a gente parece ter ainda um respeito especial pelos músicos. O que não invalida nem torna ausente a já habitual abordagem interesseira. Como chegamos pelas onze da noite a Kouroussa (capital de distrito), com receio de não arranjarmos piroga para atravessar o rio, dormimos por lá no único hotel que conheci. Na manhã seguinte fizemos os cerca de dez quilómetros que nos separavam da “nossa” aldeia e foi sorridentes que olhamos novamente aquele rio, aquelas margens repletas de cor, e aqueles sorrisos estampados nos rostos das crianças.



























Saudade. Este sentimento tão português parecia transbordar de nós para todos eles e em pouco tempo estavam cinco “tobaboos” – brancos, mais um punhado de “petits fafaris” – pretinhos, com as nossas coisas acauteladas dentro da piroga à espera que o timoneiro a fizesse arrancar. Soube bem pousar novamente o pé naquela margem, soube mesmo bem. De repente podíamos novamente por em prática o nosso rudimentar “Maninkaka”, já um pouco enferrujado pois em Conakry, por mais Malinkés que hajam, quase todos falam Sussu. Os “Inicés” (“olá” depois de uma longa ausência) repetiam-se misturados com sorrisos e apesar de curto, foi longo o caminho que percorremos até chegarmos ao bairro familiar que aloja a “nossa” palhota. Lá dentro parecia estar tudo na mesma à nossa espera, mas com um pouco mais de pó. Guardamos apressadamente as coisas e saímos para a pracinha aqui em frente. O resto da canalha começou a chegar e dividiram-se os colos e os abraços. Pouco depois conhecemos os cinco ingleses que entretanto chegaram à aldeia para fazer um estágio de percussão e cedo chegou a hora do almoço. Éramos muitos a partilhar o mesmo prato de arroz com molho de peixe, entre brancos aprendizes e pretos professores, novos e menos novos, todos a comer do mesmo pote, fazia-se a “união africana” – como ouvi chamar em Conakry. Repetia-se a rotina nunca enfadonha da pequena aldeia.











Cá pela aldeia ficaremos por tempo indefinido, a aproveitar os cursos de percussão, sempre mais tradicional do que a que se pratica em Conakry, estas imagens, esta paz e esta mescla de sentimentos e sentidos. Sem pressas, por mais que custe às nossas famílias. Já faltou mais para o regresso, mas faltou mais também para levar daqui o máximo possível, armazenado nos nossos corações e na nossa memória. Sim porque, quando no futuro pensarmos nesta viagem não vai ser certamente das atribuladas capitais que nos vamos lembrar, mas antes desta coisa inexplicável que se sente nas aldeias. Esta hospitalidade tão querida e tão honesta.


Texto: Nuno Ribeiro
Fotos: Ricardo Leal
Chauffer: Armando Santos

Coordenadas GPS de Sangbarala para o Google Earth:
10º40’5”N – 09º40’26”W