Bamako - MALI, segunda-feira, 03 de Dezembro de 2007
Conakry – GUINE CONACRI, quarta-feira, 02 de Janeiro de 2008
Dois barris e quatro tábuas
Precisamente dois barris e quatro tábuas são o que separa a Mauritânia do Mali. Se tivermos em conta a fronteira que anteriormente tínhamos atravessado, isto parece ridículo! Para ser franco, até me ri quando percebi que não nos estavam somente a registar os números dos passaportes, mas também a carimbar os mesmos. Não fizeram nenhum tipo de controlo que não fosse o dos documentos, nem revistaram a nossa Aurora, nem tão pouco nos pediram os habituais e já aborrecidos ”cadeux” (presentes). Parecia mentira! Isto porque apesar da tranquilidade policial que parece abundar no interior da Mauritânia, onde tudo era “na boa”, junto às fronteiras essa tranquilidade desvaneceu com sucessivos e quase agressivos pedidos de “recordações”, “presentes”, “merdas” e “merdisses” que nos deixavam com as reacções limitadas por tamanha pressão. Este desassossego terminou na fronteira. – Quem diria…
Ainda na Mauritânia apressávamo-nos para chegar à fronteira ainda acompanhados pela luz do dia, o que nos ia parecendo gradualmente mais difícil, até se tornar obviamente impossível. Depois do susto apanhado na travessia com Marrocos (no Sahara Ocidental) tínhamos desabafado entre nós que se aquela travessia fosse feita de noite, com o problema das garrafas, estaríamos “lixados”. Ora se as garrafas continuavam no carro, apesar da fronteira ser outra, o problema mantinha-se e creio que talvez fosse a presença dessa ideia que nos ia desmoralizando à medida que sentíamos estar mais próxima a travessia para o Mali.
Abastecemos por necessidade numa vila, compramos pão, água, cebolas, atum (enlatado, claro!) e uma coca-cola, porque eu estava mal do estômago e reza a lenda que isso ajuda (ajudou de facto) e seguimos caminho sempre em direcção a Nioro. A noite ameaçava seriamente a luz do dia e a nossa boa disposição habitual ia diminuindo quando paramos num controlo “douane” mauritano onde toda nossa documentação nos foi exigida e depois devolvida já com os carimbos de saída do país estampados no passaporte, sempre ao lado dos respectivos vistos de entrada. Percebemos na conversa prévia que tivemos com o “douane” que estávamos a sair do país. Poucos quilómetros à frente, sempre na mesma estrada, outro controle, desta vez Maliense onde nos foi carimbado novamente o passaporte com o selo de entrada no Mali.
Depois disto, à nossa frente restavam apenas quatro tábuas e dois barris que serviam de barricada fronteiriça e que depois de removidos abriram à Aurora e a nós os três as portas do Mali, o quarto país mais pobre do mundo. Nem “cadeaux”, nem “seuvenires” foram pedidos no tom sinistro e quase ameaçador do costume. Nem parecia verdade.
Pernoitamos em Nioro, a primeira cidade depois da fronteira, em conjunto com uns Chineses que tinham trazido o seu grande e vistoso Jipe da China . Pela manhã, de pequeno-almoço tomado, rumamos à capital do Mali – Bamako.
Este país parece tranquilo, e exceptuando os “caçadores” de turistas, já habituais nas médias e grandes cidades de qualquer país africano, as pessoas parecem quase ignorar-nos, o que acaba por saber bem numa viagem onde obviamente, e como todos os brancos que por aqui passam, temos sido o “centro das atenções”.
Chegamos a Bamako no sábado à noite (dia 1 de Dezembro) e pernoitamos à porta de mais um grande Hotel, com um nome que já não recordamos. Chegar a uma qualquer região durante noite pode ser um pouco alarmante em Africa, tudo parece sinistro e um pouco ameaçador, questões que deixam normalmente de fazer sentido no dia seguinte pois o ambiente é naturalmente outro à luz do dia e esta deixa-nos ver o que a noite nos esconde.
Pela manhã de Domingo trocamos Euros por Francos CFA e para aguardar a abertura da Embaixada Guineense no Mali na segunda-feira de manhã, seguimos os ensinamentos da nossa “Bíblia” (“West Africa” da editora Lonely Planet) e montamos arraial no Albergue da Missão Católica em Bamako, onde depois de estacionarmos a Aurorinha no pátio consegui ouvir do primeiro andar: “Olha, são portugueses. De Viana do Castelo são portugueses!”
Ainda meio atarantado com isto espreito para cima, onde uma senhora de meia-idade e com um ar muito simpático me acena com a mão enquanto me cumprimenta em português (nada de “ça vas”, nem “três biens”) o que francamente me pôs com uma sensação de formigueiro e me deixou bastante surpreendido. A tal senhora desce as escadas e com ela uma outra. Eram ambas irmãs missionárias portuguesas no Mali, a cerca de 500 quilómetros de Bamako, uma há 13 e outra há 23 anos, eram de Braga e de Esposende – mulheres do norte como só podia ser! Ao que parece nenhum português visitava a Missão desde que as irmãs por lá andavam e elas estavam visivelmente radiantes e satisfeitas com a nossa presença, tal como nós com a delas, e foi pena a conversa não se ter estendido por mais tempo pois no dia seguinte partiam para a região onde exercem.
Dormimos num quarto comum com 6 camas, sempre partilhadas entre viajantes que iam e vinham. Entre os diversos quartos encontravam-se alguns Japoneses em visita a Africa, um casal de Belgas que já tinha viajado por todos os continentes, um Alemão que fazia um estudo sobre a emigração africana para a Europa, dois nova zelandeses que andavam à boleia, uma fotógrafa queniana residente na Africa do Sul que escrevia um artigo sobre o Festival de Fotografia Africana a decorrer em Bamako, e mais um punhado e meio de viajantes com objectivos parecidos mas origens bem diferentes que individualmente ou em pequenos grupos se movimentam pelo continente neste momento. Foi como uma lufada de ar fresco toda esta troca de contactos e impressões, normalmente em Inglês, pois de alguma forma sentimo-nos mais identificados com aqueles que aparentemente se parecem mais connosco.
Soube bem relaxar na segurança desta Missão Católica, poder sair ao hiper movimentado mercado com a segurança de que tanto a Aurora como as câmaras e o resto da tralha estavam sem duvida nenhuma bem guardados. - Claro que o facto de haver uma sanita e imaginem só – papel higiénico – na casa de banho também é de realçar, mas a segurança vem sempre primeiro!
Decidimos ficar mais uns dias em Bamako, um total de quarto e depois de carimbados os vistos mais caros da história desta viagem – 60.000 FCFA (€100.00) içamos vela em direcção à tão ansiada Guiné. É de referir que fizemos “amizade” com a secretária do embaixador, a Madame Conté, e por sorte trocamos mais do que e-mails, pois o número desta senhora foi-nos bem útil na última fronteira que atravessaríamos antes de começarmos a pensar no, ainda longínquo, regresso a Portugal.
Tudo correu bem até à fronteira com a Guiné: bom tempo (uns amenos 40º), nenhum furo, boa musica da região e a boa disposição matutina do costume para quem se sente mais perto do que nunca de alcançar a primeira meta a que nos propusemos quando saímos de Portugal – a Guiné Conakry. Chegados à tal fronteira, foi com naturalidade que nos pediram diversos “impostos” para entrar no país. Ora depois de um visto com aquele preço, relembro que foram cem valiosos euros que cada um de nós pagou, achamos que era demais e fomo-nos recusando e questionando a pertinência de tanta taxa, até que o Armando iluminado não sabemos bem porquê tem o brilhantismo de telefonar à secretária do embaixador, e como quem pede explicações por tamanho ultraje, põe a senhora a falar directamente com o guarda que já nos tinha limpo cinquenta euros em Francos CFA e se preparava para deixar que os colegas nos limpassem mais algum. Grande Armando! Depois de justificações diversas à Madame Conté, o tal guarda mudou de atitude e postura, avisou os colegas que aqui os tugas não pagavam mais nada e lá nos foi dada ordem para seguir. Claro que segundo a secretária a burrice foi nossa porque nos esquecemos de lhe sublinhar que fazíamos a viagem em carro próprio e não de táxi como costuma ser mais habitual entre os viajantes que por lá passam, ela ter-se-ia então encarregado de nos providenciar a papelada necessária à isenção daquelas taxas.
Depois deste percalço que para além de nos tirar quinze euros do fundo de maneio também nos acrescentou alguns euros incertos na factura do telefone (roaming + chamada internacional incluídos) … “Voilá!!” A nossa Aurorinha pisava finalmente solo Guineense e a nossa satisfação não nos deixava mentir.
O Mali passara depressa comparado com o que nos esperava na Guiné…
... é de referir que este texto começou a ser escrito no Mali e terminou em Conakry, cerca de um mês depois. Pelo atraso pedimos desculpas e esperamos que a paciência tenha valido a pena! – Um bom ano de 2008 para todos!!
Texto: Nuno Ribeiro
Fotos: Ricardo Leal
Chauffer e telefonista: Armando Santos