segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Konden... continuação em Sangbarala


Arrumamos o material de registo sob a pressão de todos aqueles jovens/homens que, com varas na mão, esperavam fora da suite para confirmar que nenhuma câmara levávamos connosco. Demos a volta e, para não passar pela confusão, caminhamos pelo meio das palhotas até chegarmos à ponta este do 'bara do’, o mesmo sitio onde assisti da última vez, mesmo atrás dos músicos. É o melhor sítio, ouve-se a música com toda a sua potência à nossa frente, sente-se a enorme vibração dos dunduns nas pernas e no peito. Atrás de nós umas 20 raparigas cantavam bem alto para se fazerem ouvir por toda aquela multidão. Não eram assim tantas as pessoas para se chamar multidão, mas a maneira como se apresentavam faziam o 'bara do' transformar-se numa arena enorme. Formavam um muro em círculo: era um conjunto magnífico com as roupas de todas as cores possíveis de imaginar mais aquela cor escura dos rostos sorridentes.




De repente os sorrisos deixaram de se ver. Do lado oposto onde se encontravam os músicos começaram a aparecer as varas verdes com dois metros e meio de altura atrás das pessoas que formavam o muro. Eram muitas e estavam juntas… à medida que se aproximavam da praça, o muro abria-se para aparecer o «BALANI », escoltado por uns 15 jovens.
O «Balani » é uma máscara feia e magra, usa um fato avermelhado e um colete de penas compridas. Na cabeça tem um capuz com um dente de javali apontado para o céu e dois buracos nos olhos contornados por conchas brancas. Nas mãos tem duas varas verdes. Esta máscara é um ser nervoso e irrequieto que bate nos músicos se estes tocarem mal ou em qualquer um que esteja ali presente e corre atrás das raparigas que estão a cantar. Esta máscara acompanha sempre o 'konden” faz parte dele….
Já tinha entrado na praça e agora estava a testar a resistência ou flexibilidade das varas nas costas dos jovens que estavam encarregues de andar sempre com um molho delas para nunca faltarem. Olha para os músicos que logo entendem que é para começar o «aquecimento ». Quem conhece a música sabe bem a potência atroadora que este tem.Vira-se para o lado direito e começa a correr com a passada larga ao ritmo da música. Percorre meio círculo do "bara do" até aos músicos. À medida que vai passando as pessoas estendem os braços para a frente e gritam formando a tão conhecida onda humana. Ao chegar à nossa frente as raparigas deixam de cantar para fugir e quando estão a uma distância segura voltam a cantar com mais força como a provocar o Balani.


Este acaba o aquecimento a dois metros do solista (Namory Djan – que tinha voltado do Mali) dando voltas sobre si mesmo com as duas varas a chicotear o chão e levantando uma nuvem de pó à sua volta.
Dá mais umas voltas ao « bara do » até se cansar e ficar parado de cabeça baixa, próximo dos músicos… o único movimento que se vê agora é o da sua respiração. Fica assim alguns segundos sempre com o Namory a «pica-lo» com frases de solos rápidas, até começar a ter espasmos que só param quando umas das longas penas do seu colete cai. Aí ele pára de se mexer, levanta a cabeça, olha para um dos miúdos que tocava o « kodo », aponta-lhe a vara e gesticula mandando-o aproximar. O rapaz levanta a cabeça, enche o peito de ar e, com uma expressão séria, dirige-se para aquele máscara feia e nervosa. Esta manda-o baixar-se para apanhar a pena, mas sempre que o rapaz inicia o movimento, ele ameaça-o com o chicote.


Isto provoca no miúdo uns momentos de indecisão pura… então a máscara aproxima-se dele, que permanece imóvel, rodeia-o e com uma das mãos e agarra-lhe nas pernas para ver se estas estão firmes. Se fraquejam o miúdo leva directamente uma chicotada. Quando isto acontece eles nem se mexem, como se não doesse aquela chicotada por cima do ombro, que toda a gente ali ouvia. Sente-se a atenção do público a ser desviada para as varas que voltavam a aparecer atrás da barreira de pessoas, à nossa frente do outro lado da praça.

Afastam-se as pessoas e aparece o KONDEN...


Texto: Armando Santos

Fotos: Ricardo Leal

Video: Nuno Ribeiro

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Conakry's em directo no Rádio Clube Português às 17.30h, dia 24 de Janeiro


"As Feras da Comunicação" Part III





Amanhã os Conakry's vão estar em directo no Rádio Clube Português, no programa "JANELA ABERTA ", com Ana Sousa Dias às 17.30 horas.


Podem ouvir em www.radioclube.clix.pt. em emissão online ou tentar através da frequência 92.9 (Braga) ou 90.0 (Porto).

domingo, 20 de janeiro de 2008

Sinhaná em Sangbarala 22/23 Dez 2007




Durante o “Tabaski” assistimos a muitas cerimónias, dedicadas à colheita, aos caçadores, aos agricultores, às mulheres, às máscaras, aos “homens fortes” (DUNUMBA) etc. ..
Disto tudo descreverei apenas uma que foi sem dúvida a que mais nos afectou – a máscara KONDEN.
Como nos explicou Billy Konaté, esta máscara é como a bandeira de cada aldeia. A sensação que fiquei desta vez foi a mesma que tive há dois anos, é bem mais do que isso, é como uma educação, uma mensagem, um desafio para os jovens que vão ser circuncisados, uma prova de coragem e respeito.
Estou a escrever isto para e pode parecer fantochada a ideia de uma mascara ter algum poder sobrenatural ou qualquer coisa do género, mas duvido que alguém fique indiferente ao presenciar neste ambiente, é uma coisa que deixa de ser humano e incorpora noutro ser imponente, assistido por um respeito incrível. Para eles isto é sério e há que ter capacidade para aceitar e entender as diferenças culturais.
Na noite antes dessa máscara se apresentar à multidão, era a noite no “Sinháná”, onde se faziam as “boas-vindas” ao Konden. Por volta das 23 horas todas as mulheres iam para casa pois a sua presença não é autorizada. O registo de imagens também foi proibido! Aquilo ia durar até tarde para todos os homens e até de manhã para alguns (músicos, a geração mais nova e alguns “baratis”). Só se tocou o ritmo “konden”, os homens faziam danças definidas com varas verdes e compridas na mão (as mesmas que a máscara usa para dançar e chicotear as pessoas) à luz de uma grande fogueira.
Tínhamos que utilizar os” lenços Arafat”que a Rubina nos deu para a tapar a boca e o nariz, tamanha era a poeira no ar.
Durante 2 ou 3 horas estiveram parados no “bara do”, depois começaram a percorrer os cantos todos da aldeia a cantar e a tocar esta música tão pesada.Começamos a ficar cansados e fomos para a palhota, porque já não havia muito mais para ver. Durante algum tempo ouvíamos a musica de fundo na aldeia e acabamos por adormecer.



Lembro-me que acordei paralisado pelo pânico, era de noite ainda. Não consegui sequer acordar o Nuno que dormia ao meu lado. Era como se tivesse alguém dentro do quarto, estava completamente escuro, e nem um dedo conseguia mexer. (Apenas ouvia aquele som de sopros ou vento numa janela mal fechada num dia de temporal no meu quarto em carreço). Mas era muito mais que isso, era um som com corpo. Que tanto o sentia dentro do quarto como por toda a aldeia. Nunca havia sentido nada parecido com aquilo. Era como se tivesse um espírito a mexer-se e a fazer sons ali no quarto e um pouco por todo lado.
Estive assim mais de meia hora, penso eu, de barriga para cima, a transpirar, de olhos esbugalhados a olhar para o escuro à espera de ter alguma reacção. Cheio de medo não sei bem de quê ainda.
O som começa cada vez a ficar mais raro e ouve-se um homem a cantar uma frase. Aqui consegui reagir e a algum custo, para não variar, consegui acordar o Nuno. O Leal nem valia a pena tentar, quem o conhece sabe bem que não é fácil!!!
Ainda se sentiram alguns sopros até se ouvir aquela chamada característica para iniciar o ritmo konden que se percebia que estava a ser tocada no mesmo sítio onde tinham começado nessa noite. Perto do local onde foi colocado o pedaço de tronco cortado no “Talhi” em sacrifício pela nova geração que se iria juntar aos “baratis” (bailarinos da aldeia, responsáveis pelo “bara do”, comissão de festas, ou algo desse género).
Acordamos de manhã cedo com o alvoroço à volta da nossa suite, que é normal nestes dias de festa. Era mais um “dununbá” que acontecem com alguma frequência desde o início do tabaski. Sobre estes ritmos e danças dos homens fortes não vou descrever. Da maneira que sou apaixonado por eles estaria aqui até amanhã a escrever…
O almoço neste dia foi carne, pois o sacrifício dos cordeiros tinha sido feito de manhã. Todas as famílias, ou quase todas sacrificaram um, não quis ver, mas da suite ouvia-se o canto das mulheres e as frases ditas pelo padre da aldeia, antes de degolarem o animal.
À tarde houve um “Mamayá” (cerimónia dedicada às mulheres) no canto oeste de sangbarala. Ainda ficava a uns 10 minutos a pé até ao “bara do”, ao aproximarmo-nos apercebemo-nos que havia um stress estranho no ar. Muitos jovens/homens, com as tais varas verdes, falavam alto, com um tom até um pouco agressivo para toda a gente, principalmente para nós e a dizer-nos que estávamos completamente proibidos de tentar sequer filmar ou fotografar a máscara!

O konden estava a chegar…


Afinal não vai ser desta que falo nesta cerimónia…

Nota: Não foi possivel o registo real destas cerimónias, só mais tarde conseguimos reconstituir estas cerimonias para fimar e fotografar.


Texto: Armando Santos
Fotografia: Ricardo Leal
“Camaraman”: Nuno Ribeiro

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Na aldeia Sangbarala

A piroga estava a chegar à nossa margem onde se juntavam já algumas mulheres carregadas de coisas, crianças com pilhas de madeira e um homem com uma mota. Ao comando da piroga vinha um menino com pouco mais de 10 anos, que a manobrava com uma confiança de adulto.
Subimos a bordo, desconfiados se aquela “casca de noz” ia aguentar com aquela carga toda. A travessia foi lenta, feita num silêncio até um pouco incomodativo. Ouvia-se ao fundo os gritos das crianças a brincar, as conversas das mulheres que lavavam a roupa na outra margem e a remada do miúdo. Ao atracar a piroga já não conversavam as mulheres e o som das crianças já não se ouvia… Sentia-se alguma tensão da nossa parte e da parte delas. Este silêncio foi quebrado ao sair o primeiro “INIKE” das nossas bocas. Aí surgiram os sorrisos e o “n’ba iniké” de resposta.
O stress desapareceu de imediato… era inevitável com a sinceridade daqueles olhares e, mesmo não entendendo nada do que diziam, sentia-se que nos estavam a dar as boas-vindas. Começamos a subir em direcção à aldeia e antes de chegarmos à primeira casa vimos os dentes de um homem alto e magro que caminhava em nossa direcção de braços abertos a chamar “Mandino! Mandino!”. Aquele andar é impossível confundir, era o “Mámá”. Seu nome verdadeiro Soliman Keita, irmão do Namory, o melhor dumdum folá que já vi e um amigo que não conhece a maldade. Deu-me um abraço daqueles e aí senti-me “quase” em casa. Tive a certeza que não teríamos quaisquer problemas ou dificuldades para arranjar onde dormir, o que comer e a melhor forma de conseguir aqueles registos que queríamos fazer.










Era dia 6 de Dezembro, o Tabaski, só começava dia 20, tínhamos tempo para nos adaptarmos às pessoas, à comida, à aldeia e à sua rotina do dia a dia, antes de começar a grande festa. Era importantíssimo, tanto o Nuno para filmar como o Leal para fotografar que se sentissem confiantes neste lugar e neste ambiente tão diferente.
Ao segundo dia já estávamos completamente adaptados! Um sitio tão bonito como este, onde TODAS as pessoas nos cumprimentam sempre com sorrisos, onde há crianças por todo lado, que cheias de orgulho nos dão a mão e nos olham espantadas, … algumas fugiam e às vezes os bebés começavam a chorar com medo daqueles seres brancos. Aí as mães soltavam gargalhadas e aproximavam-se mais de nós, carregando às costas aqueles seres bonitos, presos com um pano colorido, como que a provocá-los.
Estava tudo tratado. Ficamos instalados no “centro histórico”, as traseiras da nossa palhota davam para a fonte de água potável que por sua vez se situa na praça principal da aldeia. Era aí a mesma palhota onde fiquei há dois anos, a dos poster’s e do colchão de palha. Tínhamos como pequeno-almoço uma caçarola de “sadi” (arroz empapado), com leite de cabra (azedo), e um saquinho de açúcar. Para o almoço arroz com um molho qualquer (peixe, molho de amendoim e raramente carne) e como jantar arroz com outra qualquer coisa (para variar).
Na nossa porta apareciam constantemente crianças a espreitar, curiosas; e os adultos não se acanhavam, entravam, cumprimentavam e ficavam ali sentados sem dizer nada a olhar para nós. De início estranhamos um bocado mas logo nos habituamos à sua presença e àquele gesto tão inocente.
Durante as horas de mais calor íamos até à mais linda das praias fluviais, de águas calmas e mornas, utilizadas por esta gente durante todo o dia.
Levávamos connosco 50 putos, mesmo que não quiséssemos, não podíamos ir a lado nenhum sem que eles se juntassem aos magotes para nos acompanhar. para onde quer que fossemos. Aqui os meninos crescem numa liberdade e numa educação de entreajuda que dificilmente poderei descrever. Desde que sejam capazes de andar, são livres de ir onde quiserem, têm sempre os inúmeros “grand freres” a vigiá-los e a mostrar-lhes o melhor dos conhecimentos… a diferença do bem e do mal.
Quando íamos até à água eles acompanhavam-nos sempre. Era bonito de ver como os mais velhos “tomavam conta”, com uma postura vigilante e sóbria de adulto. Tinham no máximo 9 anos e os mais novos 3 ou 4. Não nego que estou mais do que habituado a “brincar” com crianças na água, tenho a sorte de um dos meus empregos, quando estou em casa é ser professor de natação para crianças, no entanto estes meninos e este cenário não é todos os dias que vivo.

Enquanto esperamos pelo “tabaski”, a grande festa, tivemos a oportunidade de assistir e registar o “TALHI”, cerimónia que consiste num sacrifício da nova geração de bailarinos (baratis). Iam para a floresta cortar um tronco enorme de uma árvore tombada, já morta, de madeira duríssima, e carregavam-na para o “BARA DO” (praça principal), algumas vezes debaixo de chicotadas (amistosas) da geração mais velha.
Assistimos também a um casamento e a todos os rituais a ele inerentes: “Djaa” (despedida de solteiras), durante a tarde; à noite, e à luz de uma pequena fogueira, o “Mendiani” (a dança da bailarina da aldeia) e as máscaras de protecção, KAWA e Soliwollen. Foi incrível como as pessoas nos aceitaram, nos facilitaram e ajudaram no registo do filme e das fotografias.
Todas as cerimónias são acompanhadas com música e canções. Ao conhecer a maior parte das músicas e das suas histórias deu-me um prazer inexplicável vivê-las.

O dia 20 estava mesmo quase a chegar, eu e o Leal já treinávamos na equipa oficial de SANGBARALA (de futebol) todos os dias ao final da tarde, para o torneio que se iria realizar durante o tabaski. As mulheres todas começavam a arranjar os cabelos, a pintar as palhotas, e a preparar os fatos. Os homens preparavam o “bara do” para a visita do Ministro da Defesa que este ano iria assistir ao Konden nesta aldeia e que pelos vistos nasceu aqui.
Sentia-se no ar que algo importante estava para acontecer, como nos explicaram. Este ano iria ser especial porque a colheita tinha sido boa. Toda a gente andava contente e expectante.
O TABASKI ia começar.




Texto: Armando Santos
Fotos: Ricardo Leal
“Camaraman”: Nuno Ribeiro

sábado, 12 de janeiro de 2008

Relato da chegada a Guiné Conakry- Sangbarala Dez 2007


A paisagem começou a ficar mais montanhosa e mais verde, as pequenas aldeias de palhotas começaram a aparecer com mais frequência assim como as pessoas que continuaram a aparecer-nos à face da estrada. Na sua maioria mulheres e crianças, sempre carregando coisas na cabeça, pilhas de madeira, bacias coloridas, sacos cheios de qualquer coisa, etc.
É incrível a elegância do andar das mulheres mesmo carregando todo aquele peso na cabeça. As roupas sempre cheias de cor e de padrões loucos que naquela pele negra e com aquele cenário por trás parece que ganham vida. As crianças ao ver 3 “tubabus” (brancos), na Aurora – modelo bastante vulgar nesta estrada, mas que normalmente passam atulhadas de carga no tejadilho e gente dentro – ficavam admiradas uns segundos para depois esboçar aqueles sorrisos sinceros enquanto libertavam uma das mãos da carga que levavam na cabeça para nos acenar. A estrada era boa e acompanhava sempre de perto o rio DJOLIBA (ou Níger como é conhecido). Ao por do sol chegamos a Kankan – 2ª maior cidade da Guiné Conacri – e através, mais uma vez, da “Bíblia” encontramos a “missão católica” onde pernoitamos essa noite. Estávamos a 50 km de Sangbarala, e só de saber disso já pouco dormi.
Para mim, pessoalmente, este era o principal destino a alcançar. Não sabia se ia lá estar alguém que me reconhecesse, visto os músicos da aldeia, que foi com quem eu mais lidei há 2 anos, estarem frequentemente na capital nesta fase do ano por causa dos estágios de música. É para eles o tempo das “vacas gordas” e têm que ir fazer dinheiro. Duvido que seja por gostarem de ir à capital.


Dia 6 de Dezembro.

Levantamo-nos cedo e ainda na missão católica tomamos o pequeno-almoço para de seguida seguir caminho.
A estrada pareceu ficar conhecida e quando passamos por uma placa a sinalizar a aldeia “Baro” tive a certeza que já não era a 1ª vez que tinha estado ali e já estávamos mesmo próximos da “village”.
No momento em que vi Sangbarala numa placa, senti o alívio de ter cumprido a promessa que fiz a mim mesmo da última vez que olhei para ela: “Voltar à aldeia”!
Entramos numa estrada de terra batida, a vegetação à volta era capim alto e algumas árvores de médio porte. Estávamos excitadíssimos mas era o silêncio da expectativa que se vivia dentro da “Aurorinha”. O pé da embraiagem tremia.
No caminho vimos uma mulher com o bebé às costas, uma criança pela mão, e para não variar, um saco enorme na cabeça. Cumprimentamo-la com um INIKE e com gestos perguntamos-lhe se queria boleia. Hesitou um bocado e meia envergonhada aproxima-se. O saco de arroz que levava na cabeça foi para o galinheiro da Aurora, tirou o bebé das costas e entrou.
Só falava Malinké e isso gerou logo aquele silêncio incomodativo. Para quebrar o gelo pusemos a musica “Konden” de Famoudou Konaté. Ficou admirada pelo que estava a ouvir e quando se apercebeu que era mesmo a música da aldeia dela, aquela que conhece desde que nasceu, ficou contentíssima a cantar e a bater palmas. O bebé no seu colo, assustado à procura de onde vinha aquele som, quem estaria a cantar a língua dele dentro daquele carro com 3 homens de cor estranha e bigode?

O caminho estava cheio de buracos, por isso foi feito a passo de caracol. Ao entrarmos numa zona mais densa vejo ao fundo um senhor, já de idade, que mal me vê começa a sorrir como se estivesse à espera. Achei estranho e ao aproximar-me vi que era o pai do Namory Keita (musico que me alojou da ultima vez) naquela palhota com a cama de colchão de palha ao lado esquerdo, a mesinha ao fundo e os posters do “Bob Marley”, “Britney Spears”, e “50 cent” na parede.
Cumprimento-o e sem lhe perguntar nada diz-me “Namory papá” e continuou a falar Malinké o qual não deu para entender nadinha. Via-se que estava contente com a nossa chegada. Ao perguntar-lhe pelo filho ele aponta para este e diz a rir-se – “Namorydjan Bamako”.
Estávamos com um pequeno problema: ou tentávamos encontrar alguém que falasse francês a quem pedir alojamento ou tentávamos falar com o senhor Keïta – o que não ia ser nada fácil.
Lembrei-me duma frase usada nos Madandza hà uns tempos “Banes indo, banes bendo…”

Andamos mais uns 50 metros e ao sairmos da mata densa aparece-nos assim a frente cheio de luz o Djoliba, com a piroga a atravessa-lo, as mulheres a lavar a roupa e os meninos a brincarem na praia. Na outra margem aquelas duas árvores enormes e imponentes, a rampa que sai do rio em direcção à aldeia e mais a frente o verde denso do arvoredo. Aquela imagem, aquele cheiro quente é impossível ser esquecido.

Saímos do carro, a senhora despede-se toda sorridente, aproximamo-nos do rio e em silêncio saboreamos o momento.

Chegamos!


Texto: Armando Santos
Fotos: Ricardo Leal
Coo piloto: Nuno Ribeiro

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

PARABÉNS ao "Conakry" MANDINHO (11-01-2008)

O Armando Santos faz hoje 30 anos!
Longe... mas sempre perto.


PARABÉNS e MUITAS FELICIDADES....


Ao telefone desde Conakry para o CC

"AS FERAS DA COMUNICAÇÃO" PARTE II
Ontem dia, 9 quando passavam alguns minutos das 18.30h, os "conakry's", na voz do Ricardo Leal estiveram em directo para o Curto Circuito, na Sic Radical... e muito bem!!!

Conakry's no Curto Circuito (Sic Radical) PART I 23-10-2007

"AS FERAS DA COMUNICAÇÃO" (como eles diriam...)
PART I

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

DIA 9 de Janeiro "CONAKRY'S" em directo no Curto Circuito (ao telefone)

(foto de 23 de outubro de 2007)
O Curto Circuito, na Sic Radical está a acompanhar esta aventura desde o inicío e no dia 9 de Janeiro entre as 17.30 e as 18.30 h vai entrar em directo com os nossos "conakry's" ao telefone, para que eles partilhem com todos esta viagem.

...E se o Mundo ficou triste com o cancelamento do "Lisboa-Dakar", nós podemos ficar contentes por termos o previlégio de estar a "viver" e a acompanhar o "VIANACONAKRY 2007-2008".
Agora que falta menos de um mês para a "aurora"e os "nossos 3 conakry's" se fazerem à estrada para iniciarem a etapa de regresso, o nosso apoio e força aumenta para que cheguem rápido
para partilharem experiências, histórias, imagens....
Mais uma vez obrigada a todos!
Te já*
Rubina

Bamako - MALI, segunda-feira, 03 de Dezembro de 2007

Bamako - MALI, segunda-feira, 03 de Dezembro de 2007
Conakry – GUINE CONACRI, quarta-feira, 02 de Janeiro de 2008

Dois barris e quatro tábuas

Precisamente dois barris e quatro tábuas são o que separa a Mauritânia do Mali. Se tivermos em conta a fronteira que anteriormente tínhamos atravessado, isto parece ridículo! Para ser franco, até me ri quando percebi que não nos estavam somente a registar os números dos passaportes, mas também a carimbar os mesmos. Não fizeram nenhum tipo de controlo que não fosse o dos documentos, nem revistaram a nossa Aurora, nem tão pouco nos pediram os habituais e já aborrecidos ”cadeux” (presentes). Parecia mentira! Isto porque apesar da tranquilidade policial que parece abundar no interior da Mauritânia, onde tudo era “na boa”, junto às fronteiras essa tranquilidade desvaneceu com sucessivos e quase agressivos pedidos de “recordações”, “presentes”, “merdas” e “merdisses” que nos deixavam com as reacções limitadas por tamanha pressão. Este desassossego terminou na fronteira. – Quem diria…


Ainda na Mauritânia apressávamo-nos para chegar à fronteira ainda acompanhados pela luz do dia, o que nos ia parecendo gradualmente mais difícil, até se tornar obviamente impossível. Depois do susto apanhado na travessia com Marrocos (no Sahara Ocidental) tínhamos desabafado entre nós que se aquela travessia fosse feita de noite, com o problema das garrafas, estaríamos “lixados”. Ora se as garrafas continuavam no carro, apesar da fronteira ser outra, o problema mantinha-se e creio que talvez fosse a presença dessa ideia que nos ia desmoralizando à medida que sentíamos estar mais próxima a travessia para o Mali.

Abastecemos por necessidade numa vila, compramos pão, água, cebolas, atum (enlatado, claro!) e uma coca-cola, porque eu estava mal do estômago e reza a lenda que isso ajuda (ajudou de facto) e seguimos caminho sempre em direcção a Nioro. A noite ameaçava seriamente a luz do dia e a nossa boa disposição habitual ia diminuindo quando paramos num controlo “douane” mauritano onde toda nossa documentação nos foi exigida e depois devolvida já com os carimbos de saída do país estampados no passaporte, sempre ao lado dos respectivos vistos de entrada. Percebemos na conversa prévia que tivemos com o “douane” que estávamos a sair do país. Poucos quilómetros à frente, sempre na mesma estrada, outro controle, desta vez Maliense onde nos foi carimbado novamente o passaporte com o selo de entrada no Mali.


Depois disto, à nossa frente restavam apenas quatro tábuas e dois barris que serviam de barricada fronteiriça e que depois de removidos abriram à Aurora e a nós os três as portas do Mali, o quarto país mais pobre do mundo. Nem “cadeaux”, nem “seuvenires” foram pedidos no tom sinistro e quase ameaçador do costume. Nem parecia verdade.

Pernoitamos em Nioro, a primeira cidade depois da fronteira, em conjunto com uns Chineses que tinham trazido o seu grande e vistoso Jipe da China . Pela manhã, de pequeno-almoço tomado, rumamos à capital do Mali – Bamako.

Este país parece tranquilo, e exceptuando os “caçadores” de turistas, já habituais nas médias e grandes cidades de qualquer país africano, as pessoas parecem quase ignorar-nos, o que acaba por saber bem numa viagem onde obviamente, e como todos os brancos que por aqui passam, temos sido o “centro das atenções”.


Chegamos a Bamako no sábado à noite (dia 1 de Dezembro) e pernoitamos à porta de mais um grande Hotel, com um nome que já não recordamos. Chegar a uma qualquer região durante noite pode ser um pouco alarmante em Africa, tudo parece sinistro e um pouco ameaçador, questões que deixam normalmente de fazer sentido no dia seguinte pois o ambiente é naturalmente outro à luz do dia e esta deixa-nos ver o que a noite nos esconde.

Pela manhã de Domingo trocamos Euros por Francos CFA e para aguardar a abertura da Embaixada Guineense no Mali na segunda-feira de manhã, seguimos os ensinamentos da nossa “Bíblia” (“West Africa” da editora Lonely Planet) e montamos arraial no Albergue da Missão Católica em Bamako, onde depois de estacionarmos a Aurorinha no pátio consegui ouvir do primeiro andar: “Olha, são portugueses. De Viana do Castelo são portugueses!”
Ainda meio atarantado com isto espreito para cima, onde uma senhora de meia-idade e com um ar muito simpático me acena com a mão enquanto me cumprimenta em português (nada de “ça vas”, nem “três biens”) o que francamente me pôs com uma sensação de formigueiro e me deixou bastante surpreendido. A tal senhora desce as escadas e com ela uma outra. Eram ambas irmãs missionárias portuguesas no Mali, a cerca de 500 quilómetros de Bamako, uma há 13 e outra há 23 anos, eram de Braga e de Esposende – mulheres do norte como só podia ser! Ao que parece nenhum português visitava a Missão desde que as irmãs por lá andavam e elas estavam visivelmente radiantes e satisfeitas com a nossa presença, tal como nós com a delas, e foi pena a conversa não se ter estendido por mais tempo pois no dia seguinte partiam para a região onde exercem.

Dormimos num quarto comum com 6 camas, sempre partilhadas entre viajantes que iam e vinham. Entre os diversos quartos encontravam-se alguns Japoneses em visita a Africa, um casal de Belgas que já tinha viajado por todos os continentes, um Alemão que fazia um estudo sobre a emigração africana para a Europa, dois nova zelandeses que andavam à boleia, uma fotógrafa queniana residente na Africa do Sul que escrevia um artigo sobre o Festival de Fotografia Africana a decorrer em Bamako, e mais um punhado e meio de viajantes com objectivos parecidos mas origens bem diferentes que individualmente ou em pequenos grupos se movimentam pelo continente neste momento. Foi como uma lufada de ar fresco toda esta troca de contactos e impressões, normalmente em Inglês, pois de alguma forma sentimo-nos mais identificados com aqueles que aparentemente se parecem mais connosco.


Soube bem relaxar na segurança desta Missão Católica, poder sair ao hiper movimentado mercado com a segurança de que tanto a Aurora como as câmaras e o resto da tralha estavam sem duvida nenhuma bem guardados. - Claro que o facto de haver uma sanita e imaginem só – papel higiénico – na casa de banho também é de realçar, mas a segurança vem sempre primeiro!

Decidimos ficar mais uns dias em Bamako, um total de quarto e depois de carimbados os vistos mais caros da história desta viagem – 60.000 FCFA (€100.00) içamos vela em direcção à tão ansiada Guiné. É de referir que fizemos “amizade” com a secretária do embaixador, a Madame Conté, e por sorte trocamos mais do que e-mails, pois o número desta senhora foi-nos bem útil na última fronteira que atravessaríamos antes de começarmos a pensar no, ainda longínquo, regresso a Portugal.

Tudo correu bem até à fronteira com a Guiné: bom tempo (uns amenos 40º), nenhum furo, boa musica da região e a boa disposição matutina do costume para quem se sente mais perto do que nunca de alcançar a primeira meta a que nos propusemos quando saímos de Portugal – a Guiné Conakry. Chegados à tal fronteira, foi com naturalidade que nos pediram diversos “impostos” para entrar no país. Ora depois de um visto com aquele preço, relembro que foram cem valiosos euros que cada um de nós pagou, achamos que era demais e fomo-nos recusando e questionando a pertinência de tanta taxa, até que o Armando iluminado não sabemos bem porquê tem o brilhantismo de telefonar à secretária do embaixador, e como quem pede explicações por tamanho ultraje, põe a senhora a falar directamente com o guarda que já nos tinha limpo cinquenta euros em Francos CFA e se preparava para deixar que os colegas nos limpassem mais algum. Grande Armando! Depois de justificações diversas à Madame Conté, o tal guarda mudou de atitude e postura, avisou os colegas que aqui os tugas não pagavam mais nada e lá nos foi dada ordem para seguir. Claro que segundo a secretária a burrice foi nossa porque nos esquecemos de lhe sublinhar que fazíamos a viagem em carro próprio e não de táxi como costuma ser mais habitual entre os viajantes que por lá passam, ela ter-se-ia então encarregado de nos providenciar a papelada necessária à isenção daquelas taxas.

Depois deste percalço que para além de nos tirar quinze euros do fundo de maneio também nos acrescentou alguns euros incertos na factura do telefone (roaming + chamada internacional incluídos) … “Voilá!!” A nossa Aurorinha pisava finalmente solo Guineense e a nossa satisfação não nos deixava mentir.


O Mali passara depressa comparado com o que nos esperava na Guiné…



... é de referir que este texto começou a ser escrito no Mali e terminou em Conakry, cerca de um mês depois. Pelo atraso pedimos desculpas e esperamos que a paciência tenha valido a pena! – Um bom ano de 2008 para todos!!




Texto: Nuno Ribeiro
Fotos: Ricardo Leal
Chauffer e telefonista: Armando Santos

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

BOM ANO e que os sonhos comandem em 2008...

Este é o primeiro Post do ano e infelizmente sou eu a coloca-lo! Mas acho que já não falta muito... mas ja não sei nada!!! Estes"conakry's" só me dizem que o "tempo em África é muito relativo" e que ja "mudaram de planos umas 30 vezes"... Continuo a achar que o mais importante é eles estarem bem, a aproveitar intensamente o que os rodeia e a trabalharem no desafio que os levou lá e também, para nos "encherem" a vista com tudo aquilo, que daqui não conseguimos sentir...
Partilho aqui uma frase, a pedido do Mandinho, ele ouviu-a em Bamako:

"Em África as pessoas matam o tempo, na Europa o tempo mata as pessoas..."
Rubina