domingo, 20 de janeiro de 2008

Sinhaná em Sangbarala 22/23 Dez 2007




Durante o “Tabaski” assistimos a muitas cerimónias, dedicadas à colheita, aos caçadores, aos agricultores, às mulheres, às máscaras, aos “homens fortes” (DUNUMBA) etc. ..
Disto tudo descreverei apenas uma que foi sem dúvida a que mais nos afectou – a máscara KONDEN.
Como nos explicou Billy Konaté, esta máscara é como a bandeira de cada aldeia. A sensação que fiquei desta vez foi a mesma que tive há dois anos, é bem mais do que isso, é como uma educação, uma mensagem, um desafio para os jovens que vão ser circuncisados, uma prova de coragem e respeito.
Estou a escrever isto para e pode parecer fantochada a ideia de uma mascara ter algum poder sobrenatural ou qualquer coisa do género, mas duvido que alguém fique indiferente ao presenciar neste ambiente, é uma coisa que deixa de ser humano e incorpora noutro ser imponente, assistido por um respeito incrível. Para eles isto é sério e há que ter capacidade para aceitar e entender as diferenças culturais.
Na noite antes dessa máscara se apresentar à multidão, era a noite no “Sinháná”, onde se faziam as “boas-vindas” ao Konden. Por volta das 23 horas todas as mulheres iam para casa pois a sua presença não é autorizada. O registo de imagens também foi proibido! Aquilo ia durar até tarde para todos os homens e até de manhã para alguns (músicos, a geração mais nova e alguns “baratis”). Só se tocou o ritmo “konden”, os homens faziam danças definidas com varas verdes e compridas na mão (as mesmas que a máscara usa para dançar e chicotear as pessoas) à luz de uma grande fogueira.
Tínhamos que utilizar os” lenços Arafat”que a Rubina nos deu para a tapar a boca e o nariz, tamanha era a poeira no ar.
Durante 2 ou 3 horas estiveram parados no “bara do”, depois começaram a percorrer os cantos todos da aldeia a cantar e a tocar esta música tão pesada.Começamos a ficar cansados e fomos para a palhota, porque já não havia muito mais para ver. Durante algum tempo ouvíamos a musica de fundo na aldeia e acabamos por adormecer.



Lembro-me que acordei paralisado pelo pânico, era de noite ainda. Não consegui sequer acordar o Nuno que dormia ao meu lado. Era como se tivesse alguém dentro do quarto, estava completamente escuro, e nem um dedo conseguia mexer. (Apenas ouvia aquele som de sopros ou vento numa janela mal fechada num dia de temporal no meu quarto em carreço). Mas era muito mais que isso, era um som com corpo. Que tanto o sentia dentro do quarto como por toda a aldeia. Nunca havia sentido nada parecido com aquilo. Era como se tivesse um espírito a mexer-se e a fazer sons ali no quarto e um pouco por todo lado.
Estive assim mais de meia hora, penso eu, de barriga para cima, a transpirar, de olhos esbugalhados a olhar para o escuro à espera de ter alguma reacção. Cheio de medo não sei bem de quê ainda.
O som começa cada vez a ficar mais raro e ouve-se um homem a cantar uma frase. Aqui consegui reagir e a algum custo, para não variar, consegui acordar o Nuno. O Leal nem valia a pena tentar, quem o conhece sabe bem que não é fácil!!!
Ainda se sentiram alguns sopros até se ouvir aquela chamada característica para iniciar o ritmo konden que se percebia que estava a ser tocada no mesmo sítio onde tinham começado nessa noite. Perto do local onde foi colocado o pedaço de tronco cortado no “Talhi” em sacrifício pela nova geração que se iria juntar aos “baratis” (bailarinos da aldeia, responsáveis pelo “bara do”, comissão de festas, ou algo desse género).
Acordamos de manhã cedo com o alvoroço à volta da nossa suite, que é normal nestes dias de festa. Era mais um “dununbá” que acontecem com alguma frequência desde o início do tabaski. Sobre estes ritmos e danças dos homens fortes não vou descrever. Da maneira que sou apaixonado por eles estaria aqui até amanhã a escrever…
O almoço neste dia foi carne, pois o sacrifício dos cordeiros tinha sido feito de manhã. Todas as famílias, ou quase todas sacrificaram um, não quis ver, mas da suite ouvia-se o canto das mulheres e as frases ditas pelo padre da aldeia, antes de degolarem o animal.
À tarde houve um “Mamayá” (cerimónia dedicada às mulheres) no canto oeste de sangbarala. Ainda ficava a uns 10 minutos a pé até ao “bara do”, ao aproximarmo-nos apercebemo-nos que havia um stress estranho no ar. Muitos jovens/homens, com as tais varas verdes, falavam alto, com um tom até um pouco agressivo para toda a gente, principalmente para nós e a dizer-nos que estávamos completamente proibidos de tentar sequer filmar ou fotografar a máscara!

O konden estava a chegar…


Afinal não vai ser desta que falo nesta cerimónia…

Nota: Não foi possivel o registo real destas cerimónias, só mais tarde conseguimos reconstituir estas cerimonias para fimar e fotografar.


Texto: Armando Santos
Fotografia: Ricardo Leal
“Camaraman”: Nuno Ribeiro

8 comentários:

Miguel Brázio disse...

Armando,

Espíritos ou não, feitiçarias ou coisa do género, apodera-te das almas DUNUMBA.
È o verdadeiro espírito Konden. Perceber, entender? Talvez um dia o consigas! Quem sabe!
Continua a enviar esses ritmos com danças de palavras.
Grande abraço.

Patrícia Cavalheiro disse...

Adorei... Especialmente a descrição da noite no “Sinháná". Muito bom mesmo! Aproveita bem essas experências. =)
Beijo grande

Rita Santos disse...

Hei irmão, hei gajos sortudos!
Nem outra palavra me consigo agora lembrar. Que mais sem ser Sorte que possibilita o viver essa experiência? Que ar é esse carregado? O que existe para além do que se vê? O que se diz para além do que se ouve?
Daqui vai mais Sorte e sempre a Coragem para estar e apreciar nesses tão "bons milagres" que nem toda a gente se permite encontrar.
xi da ri

Ze Puto disse...

Epah!Quem ve o que escreves e nao te conheça,até pensa que és um gajo inteligente!Grande texto man, deu para perceber a mensagem quase como se se estivesse aí.Mt bom!
Como ja te disse,parabéns atrasados PAH!Tás velho man,ACABADO E FARRAPO!
Aquele abraço para ti e para o Linfas e Leal e curtam;são votos aqui do Zé Puto(Escadas LOL)!
HASTA!

Anónimo disse...

É tudo muito bonito,mas estou como a Rita ( irmã do mandinho),mandem mas é as vossas caras, será que ainda vos reconhecemos?Os textos são excelentes e realmente transportam-nos para esse paraíso, no entanto as saudades também são muitos e vocês resolveram pregar-nos uma partida, o regresso fica para depois, não é? Deixemo-nos de conversa fiada e mandem lá os vossos retratosssss. Beijinhos grandes pata todos mas em especial para ti Ricardo. A tua mãe que te adora........Beijiiiiiiiiinhos.São Leal

Anónimo disse...

Se chegarmos ao prazer da eternidade,que dela se contem momentos como esses que falas aqui,Mandinho...
Tu estás no coração do Mundo,tal como já falei,e noto que tens sentido coisas para além do descritível,palpável e que simplesmente se parecem reger pela genuinidade e pela pureza das raizes da Terra.
Sei que no regresso irás arrepiar a tua pele ao materializar em palavras as vivências...e que provavelmente nos momentos em que o escasso silêncio se apoderar de ti,deixarás cair uma ou outra lágrima,empurrada talvez pela música de África que vais ouvir de um qualquer cuspidor de som...
Esse teu lado,que inconscientemente fazes brotar de ti,provoca o orgulho cada vez maior na tua pessoa,força e ambição...
Abraço forte...

Anónimo disse...

Mandem fotos para vermos os vossos bigodes sexy's. bjos e xiii

Anónimo disse...

Hey hey camaradas....

Abandonaram-nos e nao querem voltar.... ;) Mas fazem bem porque tem bons motivos para isso...
Nem vale a pena perguntar como esta a correr, porque ja se sabe que melhor é impossivel.
Aproveito para mandar uns PARABENS atrasados ao Farrapo. Este ano ele nao pode andar na boa vida como sempre faz, mas de certeza que curtiu muito mais ai... ;) Nao te preocupes que eu bebi um copo por ti (ou muitos).

Leal e Linfas, trabalhem muito e nao se deixem mandriar... Queremos ver trabalhinhos... ;)

Mandinho... Da-lhes na cabeça.. ;)

Continuação de boas andanças por terras conakryenses... ;)

Divirtam-se

Mega Abraços...