sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Na aldeia Sangbarala

A piroga estava a chegar à nossa margem onde se juntavam já algumas mulheres carregadas de coisas, crianças com pilhas de madeira e um homem com uma mota. Ao comando da piroga vinha um menino com pouco mais de 10 anos, que a manobrava com uma confiança de adulto.
Subimos a bordo, desconfiados se aquela “casca de noz” ia aguentar com aquela carga toda. A travessia foi lenta, feita num silêncio até um pouco incomodativo. Ouvia-se ao fundo os gritos das crianças a brincar, as conversas das mulheres que lavavam a roupa na outra margem e a remada do miúdo. Ao atracar a piroga já não conversavam as mulheres e o som das crianças já não se ouvia… Sentia-se alguma tensão da nossa parte e da parte delas. Este silêncio foi quebrado ao sair o primeiro “INIKE” das nossas bocas. Aí surgiram os sorrisos e o “n’ba iniké” de resposta.
O stress desapareceu de imediato… era inevitável com a sinceridade daqueles olhares e, mesmo não entendendo nada do que diziam, sentia-se que nos estavam a dar as boas-vindas. Começamos a subir em direcção à aldeia e antes de chegarmos à primeira casa vimos os dentes de um homem alto e magro que caminhava em nossa direcção de braços abertos a chamar “Mandino! Mandino!”. Aquele andar é impossível confundir, era o “Mámá”. Seu nome verdadeiro Soliman Keita, irmão do Namory, o melhor dumdum folá que já vi e um amigo que não conhece a maldade. Deu-me um abraço daqueles e aí senti-me “quase” em casa. Tive a certeza que não teríamos quaisquer problemas ou dificuldades para arranjar onde dormir, o que comer e a melhor forma de conseguir aqueles registos que queríamos fazer.










Era dia 6 de Dezembro, o Tabaski, só começava dia 20, tínhamos tempo para nos adaptarmos às pessoas, à comida, à aldeia e à sua rotina do dia a dia, antes de começar a grande festa. Era importantíssimo, tanto o Nuno para filmar como o Leal para fotografar que se sentissem confiantes neste lugar e neste ambiente tão diferente.
Ao segundo dia já estávamos completamente adaptados! Um sitio tão bonito como este, onde TODAS as pessoas nos cumprimentam sempre com sorrisos, onde há crianças por todo lado, que cheias de orgulho nos dão a mão e nos olham espantadas, … algumas fugiam e às vezes os bebés começavam a chorar com medo daqueles seres brancos. Aí as mães soltavam gargalhadas e aproximavam-se mais de nós, carregando às costas aqueles seres bonitos, presos com um pano colorido, como que a provocá-los.
Estava tudo tratado. Ficamos instalados no “centro histórico”, as traseiras da nossa palhota davam para a fonte de água potável que por sua vez se situa na praça principal da aldeia. Era aí a mesma palhota onde fiquei há dois anos, a dos poster’s e do colchão de palha. Tínhamos como pequeno-almoço uma caçarola de “sadi” (arroz empapado), com leite de cabra (azedo), e um saquinho de açúcar. Para o almoço arroz com um molho qualquer (peixe, molho de amendoim e raramente carne) e como jantar arroz com outra qualquer coisa (para variar).
Na nossa porta apareciam constantemente crianças a espreitar, curiosas; e os adultos não se acanhavam, entravam, cumprimentavam e ficavam ali sentados sem dizer nada a olhar para nós. De início estranhamos um bocado mas logo nos habituamos à sua presença e àquele gesto tão inocente.
Durante as horas de mais calor íamos até à mais linda das praias fluviais, de águas calmas e mornas, utilizadas por esta gente durante todo o dia.
Levávamos connosco 50 putos, mesmo que não quiséssemos, não podíamos ir a lado nenhum sem que eles se juntassem aos magotes para nos acompanhar. para onde quer que fossemos. Aqui os meninos crescem numa liberdade e numa educação de entreajuda que dificilmente poderei descrever. Desde que sejam capazes de andar, são livres de ir onde quiserem, têm sempre os inúmeros “grand freres” a vigiá-los e a mostrar-lhes o melhor dos conhecimentos… a diferença do bem e do mal.
Quando íamos até à água eles acompanhavam-nos sempre. Era bonito de ver como os mais velhos “tomavam conta”, com uma postura vigilante e sóbria de adulto. Tinham no máximo 9 anos e os mais novos 3 ou 4. Não nego que estou mais do que habituado a “brincar” com crianças na água, tenho a sorte de um dos meus empregos, quando estou em casa é ser professor de natação para crianças, no entanto estes meninos e este cenário não é todos os dias que vivo.

Enquanto esperamos pelo “tabaski”, a grande festa, tivemos a oportunidade de assistir e registar o “TALHI”, cerimónia que consiste num sacrifício da nova geração de bailarinos (baratis). Iam para a floresta cortar um tronco enorme de uma árvore tombada, já morta, de madeira duríssima, e carregavam-na para o “BARA DO” (praça principal), algumas vezes debaixo de chicotadas (amistosas) da geração mais velha.
Assistimos também a um casamento e a todos os rituais a ele inerentes: “Djaa” (despedida de solteiras), durante a tarde; à noite, e à luz de uma pequena fogueira, o “Mendiani” (a dança da bailarina da aldeia) e as máscaras de protecção, KAWA e Soliwollen. Foi incrível como as pessoas nos aceitaram, nos facilitaram e ajudaram no registo do filme e das fotografias.
Todas as cerimónias são acompanhadas com música e canções. Ao conhecer a maior parte das músicas e das suas histórias deu-me um prazer inexplicável vivê-las.

O dia 20 estava mesmo quase a chegar, eu e o Leal já treinávamos na equipa oficial de SANGBARALA (de futebol) todos os dias ao final da tarde, para o torneio que se iria realizar durante o tabaski. As mulheres todas começavam a arranjar os cabelos, a pintar as palhotas, e a preparar os fatos. Os homens preparavam o “bara do” para a visita do Ministro da Defesa que este ano iria assistir ao Konden nesta aldeia e que pelos vistos nasceu aqui.
Sentia-se no ar que algo importante estava para acontecer, como nos explicaram. Este ano iria ser especial porque a colheita tinha sido boa. Toda a gente andava contente e expectante.
O TABASKI ia começar.




Texto: Armando Santos
Fotos: Ricardo Leal
“Camaraman”: Nuno Ribeiro

3 comentários:

Rita Santos disse...

Haja Raça! Tão boas palavras, tão vivas imagens, tanto calor, tanto pó, tanto pulsar de terra e coração africano, tanta raça humana e tão boa viagem que nos leva num ápice a essa terra de castanha magia e logo nos vem deixar neste nosso canteiro à beira mar.
Tenho saudades de ver as vossas caras, a deles é demais, sempre, mas mostrem-nos as vossas barbas, a pele bronzeada, o efeito dieta arroz, os "modelitos" de quem vive no centro histórico, etc... Xi coração e até já

Miguel Brázio disse...

Armando, Nuno e Ricardo,
Receber notícias vossas tornou-se desde sempre um enorme prazer. Pela escrita e fotografia é por mais evidente o contentamento e alegria encontrada nessas paragens.
Confesso que me deliciam os textos e as fotografias de inegável beleza. Por todas as sensações que transmitem! Pena não ser possível receber mais :) .
Ciente de que tudo se desenrola com muito entusiasmo e grande emoção porque não aproveitar para assim, distantes, vos associardes ao sentimento e às comemorações do feito de D.Afonso III, ano de 1258, aquando da concessão do Foral à Viana da Foz do Lima. Que o amor de sua Alteza, pela Villa do seu Reyno, hoje Viana do Castelo, seja sinónimo da sorte, de encantos e dos proveitos dessa grande aventura.
Para o Armando, último profeta, um abraço sentido pela forma tão especial , pura e contagiante que nos fazes sentir de perto tamanha felicidade. Recordo-me das tuas palavras quando falavas da promessa há dois anos. Voltar a Sangbarala. Imagina o quanto ficamos vaidosos. Acho que para todos aqueles que vos conhecem, GENUÍNOS, talvez uma boa forma de vos definir. Aos três, claro.
Bons mergulhos e estimai quem realmente não conhece maldade!

Anónimo disse...

FORÇA AI MANDINHO E COMPANHEIROS!
ESCREVEM DIVINALMENTE .....E OFUSCAM-NOS O OLHAR COM AS BELISSIMAS IMAGENS....
PROVEM A TODO O PESSOAL QUE OS SONHOS PODEM POR VEZES DEIXAR DE O SER E TORNAREM-SE REALIDADES...
PK QUE EU SAIBA AINDA É O SONHO QUE COMANDA A VIDA............
MIL MILHÕES DAS MELHORES EXPERIENCIAS VIVIDAS IN LOCCO É O QUE MAIS VOS DESEJO
BJOCAS PORTUGAS DA NINA AMIGA DA GORETE