segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Konden... continuação em Sangbarala


Arrumamos o material de registo sob a pressão de todos aqueles jovens/homens que, com varas na mão, esperavam fora da suite para confirmar que nenhuma câmara levávamos connosco. Demos a volta e, para não passar pela confusão, caminhamos pelo meio das palhotas até chegarmos à ponta este do 'bara do’, o mesmo sitio onde assisti da última vez, mesmo atrás dos músicos. É o melhor sítio, ouve-se a música com toda a sua potência à nossa frente, sente-se a enorme vibração dos dunduns nas pernas e no peito. Atrás de nós umas 20 raparigas cantavam bem alto para se fazerem ouvir por toda aquela multidão. Não eram assim tantas as pessoas para se chamar multidão, mas a maneira como se apresentavam faziam o 'bara do' transformar-se numa arena enorme. Formavam um muro em círculo: era um conjunto magnífico com as roupas de todas as cores possíveis de imaginar mais aquela cor escura dos rostos sorridentes.




De repente os sorrisos deixaram de se ver. Do lado oposto onde se encontravam os músicos começaram a aparecer as varas verdes com dois metros e meio de altura atrás das pessoas que formavam o muro. Eram muitas e estavam juntas… à medida que se aproximavam da praça, o muro abria-se para aparecer o «BALANI », escoltado por uns 15 jovens.
O «Balani » é uma máscara feia e magra, usa um fato avermelhado e um colete de penas compridas. Na cabeça tem um capuz com um dente de javali apontado para o céu e dois buracos nos olhos contornados por conchas brancas. Nas mãos tem duas varas verdes. Esta máscara é um ser nervoso e irrequieto que bate nos músicos se estes tocarem mal ou em qualquer um que esteja ali presente e corre atrás das raparigas que estão a cantar. Esta máscara acompanha sempre o 'konden” faz parte dele….
Já tinha entrado na praça e agora estava a testar a resistência ou flexibilidade das varas nas costas dos jovens que estavam encarregues de andar sempre com um molho delas para nunca faltarem. Olha para os músicos que logo entendem que é para começar o «aquecimento ». Quem conhece a música sabe bem a potência atroadora que este tem.Vira-se para o lado direito e começa a correr com a passada larga ao ritmo da música. Percorre meio círculo do "bara do" até aos músicos. À medida que vai passando as pessoas estendem os braços para a frente e gritam formando a tão conhecida onda humana. Ao chegar à nossa frente as raparigas deixam de cantar para fugir e quando estão a uma distância segura voltam a cantar com mais força como a provocar o Balani.


Este acaba o aquecimento a dois metros do solista (Namory Djan – que tinha voltado do Mali) dando voltas sobre si mesmo com as duas varas a chicotear o chão e levantando uma nuvem de pó à sua volta.
Dá mais umas voltas ao « bara do » até se cansar e ficar parado de cabeça baixa, próximo dos músicos… o único movimento que se vê agora é o da sua respiração. Fica assim alguns segundos sempre com o Namory a «pica-lo» com frases de solos rápidas, até começar a ter espasmos que só param quando umas das longas penas do seu colete cai. Aí ele pára de se mexer, levanta a cabeça, olha para um dos miúdos que tocava o « kodo », aponta-lhe a vara e gesticula mandando-o aproximar. O rapaz levanta a cabeça, enche o peito de ar e, com uma expressão séria, dirige-se para aquele máscara feia e nervosa. Esta manda-o baixar-se para apanhar a pena, mas sempre que o rapaz inicia o movimento, ele ameaça-o com o chicote.


Isto provoca no miúdo uns momentos de indecisão pura… então a máscara aproxima-se dele, que permanece imóvel, rodeia-o e com uma das mãos e agarra-lhe nas pernas para ver se estas estão firmes. Se fraquejam o miúdo leva directamente uma chicotada. Quando isto acontece eles nem se mexem, como se não doesse aquela chicotada por cima do ombro, que toda a gente ali ouvia. Sente-se a atenção do público a ser desviada para as varas que voltavam a aparecer atrás da barreira de pessoas, à nossa frente do outro lado da praça.

Afastam-se as pessoas e aparece o KONDEN...


Texto: Armando Santos

Fotos: Ricardo Leal

Video: Nuno Ribeiro

5 comentários:

Unknown disse...

Mandinho e amigos

Que privilégio o vosso, assistir a rituais tão genuínos, poder partilhar emoções com os habitantes da aldeia! Felizardos! Deixem-se estar, aproveitem a oportunidade única que tendes. É que por cá tudo igual, nada de interesse por estas bandas.Não tenham pressa em voltar ao ram-ram de terras lusas.
Boa estadia para os três.
Domingas

Anónimo disse...

Que esta experiência te faça recordar mais tarde todas as coisas boas que vivenciaste!
A África, infelizmente, não é só isso que estás a viver ...
Aproveita e enriquece-te.

Um abraço para os três Mando Pai

Miguel Brázio disse...

Pois é bem verdade, Mando Pai.
O filho, e os filhos ousaram mostrar-nos duma forma incrível o seu encontro e as vivências numa realidade tão diferente da nossa.
Concordo e sinto profundamente as suas palavras, que incidem sobre uma realidade muito para além do que nos contam. Tenho a certeza que as suas palavras serão meditadas duma forma profunda, tal qual o desejo de não desistirem, acreditando e lutando contra muitas adversidades, pelo objectivo que lá os levou. Assim são os bravos!
Mas palavras de Pai, são únicas, como um velho sábio. Homem que teve em mim um seu aluno e que as suas palavras, a sua alegria e incentivo jamais esquecerei.
Longe vão os tempos em que as guitarras, os bandolins e cavaquinhos de Júlio Pereira, numa analogia aos djembés, que formam o ponto de partida desta jornada, nos proporcionavam um crescimento e enriquecimento impar, com danças e particulares encontros com outras culturas.
Para os três um forte abraço, obrigado pelos textos e fotografias e para o Armando Pai, o reconhecimento pelos guerreiros que trouxe ao mundo, deixando um cumprimento de muita estima e consideração.

Shiva disse...

Alto astral, malta boa!
Q experiências tão intensas...e vocês são os nossos olhos e ouvidos...e tudo e tudo....Leal, babo mto com as tuas fotos...boa man!
Continuem a descrever tdo ao pormenor...e mandem fotos vossas, ó gatos gostosos!!! Vá lá...as saudades são mtas e quero ver os vossos dentes....Bjos grandes e abraços calorosos ...do tamanho do mundo e das emoções q estais a viver e q aqui vivo com e através d vós! Até....lindos!

Anónimo disse...

Então, como estão desde a última vez...espero que bem! O prometido é devido mas não vi nada, então
as vossas caretas aparecem ou não?Vamos lá, nós queremos vervos, pois as saudades são muitas e à medida que o tempo avança aumentam... e o teu dia de anos está a chegar, penso que ainda te lembres que o próximo dia 11 é um dia especial não só para ti mas também para mim. Espero que neste dia estejas contactavel. Apareçam, beijinhos grandes para os três mas para ti um especial do pai,outro da Rita e de mim recebe um planeta cheio deles,beijs...........São Leal. Dá notícias.......